A fênix do Cerrado

CB, Cidades, p. 32 - 02/07/2006
A fênix do Cerrado
Quase um ano depois do incêndio do ano passado, o Jardim Botânico recupera-se das cinzas. Já foram encontradas 100 flores de várias espécies de orquídeas

Érica Montenegro

Passados 10 meses do incêndio que destruiu 80% da cobertura natural de cerrado do Jardim Botânico de Brasília, a natureza começa a exibir promissoras novidades. Elas vêm na forma de Cyrtopodiuns e Habenarias - exuberantes orquídeas que crescem naturalmente na região central do Brasil. Antes do fogo, os registros da estação ecológica davam conta de 44 espécies diferentes de orquídeas na área do Jardim Botânico.
Depois da catástrofe, foram encontradas 110 flores de variadas espécies por ali.
A primeira espécie de orquídea achada depois do incêndio foi um Cyrtopodium vernun.
Ainda no ano passado, a diretora do Jardim Botânico, Anajúlia Heringer Salles, percorria o parque quando avistou, ao longe, lindas flores da cor amarela. "Meu espanto foi enorme, até porque eu nunca tinha visto flores desse tipo aqui", recorda-se.
A essa primeira descoberta seguiram-se outras. Durante as expedições para avaliar os estragos causados pelo fogo e a capacidade de recuperação da vegetação, a equipe do parque também achou Cyrtopodiuns brunneum e Cyrtopodiuns blanchetii - mais ou menos do mesmo tamanho das Cyrtopodiuns vernun, mas com um vermelho intenso que quase chega ao marrom. As três espécies de orquídeas coloriam áreas de campo limpo, cujas gramíneas ainda estavam ressecadas pelo fogo.
O encontro representou para Anajúlia a renovação das esperanças. "Elas me comprovaram a resistência do cerrado, me mostraram riquezas do Jardim Botânico que eu ainda não conhecia", afirma ela.
Além das Cyrtopodiuns foram encontradas também Habenarias que, assim como as primeiras, costumam florescer no período que segue às primeiras chuvas. Das amostras de Habenarias , flores tão pequenas que são medidas em milímetros, podem vir grandes novidades. Acredita-se que duas das plantas achadas pela equipe nunca tenham sido registradas, o que daria ao Jardim Botânico a honra de possuir espécies novas, ainda não descritas pela ciência. "Mandei fotos delas para um taxonomista de minha confiança, e ele me deu praticamente certeza de que são flores ainda não descritas", entusiasma-se Anajúlia.
A destruição causada pelo incêndio do ano passado tem relação com o aparecimento de orquídeas que, até então, não haviam sido vistas no Jardim Botânico. É provável que essas flores já existissem na estação ecológica, mas que a vegetação de cobertura não permitia que fossem vistas. As orquídeas selvagens encontradas no Planalto Central costumam ser pequenas e terrestres, por isso ficam escondidas entre a paisagem de gramas e arbustos. "O fogo deu uma desbastada na vegetação, então permitiu que as flores se tornassem aparentes", explica Manoel Cláudio da Silva, professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB).
O crescimento de algumas plantas, incluídas esses dois gêneros de orquídeas, é mais intenso depois de uma onda de aquecimento do solo. O incêndio também teria trazido novos nutrientes para o terreno. A vegetação de cerrado, pelas características climáticas do ambiente, suporta bem o fogo, e até reage positivamente a ele . "O fogo é aceito como parte da dinâmica desse ecossistema, mas cabe lembrar que não o fogo provocado pelo homem, mas aquele que acontece naturalmente ",, completa o professor. "Se um raio provoca um incêndio esporádico, a resposta é rápida. Se o homem provoca repetidos incêndios, os prejuízos são certos", acrescenta Anajúlia.


Vilão e mocinho, ao mesmo tempo

Está comprovado que o incêndio de setembro do ano passado se alastrou pelo Jardim Botânico depois de ter sido iniciado pelo homem em uma área próxima ao parque. Alguém, provavelmente no intuito de queimar lixo, teria causado o prejuízo à estação ecológica. Se o ser humano exerceu esse papel de vilão contra o cerrado naquele momento, atualmente ele se redime com o ecossistema ao trabalhar por sua recuperação.
Uma das ações que se seguiu ao incêndio foi a criação de um programa de voluntariado no Jardim Botânico de Brasília. "Pensamos em fazer isso para, ao mesmo tempo, cativar a população de Brasília e para que ela se sentisse também responsável pela conservação desse espaço", explica Anajúlia Heringer Salles.
Desde então cerca de uma centena de brasilienses ajuda a equipe do Jardim Botânico a cultivar mudas de plantas do cerrado e a restituí-las às matas de galeria e as veredas queimadas. Em uma próxima etapa, os voluntários também trabalharão combatendo as samambaias - plantas invasoras que são o principal obstáculo à recuperação das matas atingidas. "As samambaias são plantas agressivas, que tomam o espaço das nativas. Temos de arrancar uma por uma para que a flora possa aparecer", explica a diretora do Jardim Botânico.
Anajúlia, que desde a primeira infância percorre a estação ecológica levada pelo pai nas expedições de reconhecimento e coleta de plantas, sabe que tem muito trabalho pela frente, mas que não está sozinha. É um sentimento bem diferente daquele que a tomou nos dias em que chamas consumiam o verde do espaço. "Naquele setembro, o sentimento foi de desespero, de destruição. Agora, é o de recomeçar."

CB, 02/07/2006, Cidades, p. 32
UC:Estação Ecológica

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