No Pará, experiência pioneira aposta no uso sustentado dos recursos naturais

www.ambientebrasil.com.br - 20/06/2006
No dia 14 passado, em meio ao 'terremoto' político e ético ocasionado pelo deputado Roberto Jefferson, uma notícia ganhou pouca visibilidade no cenário nacional. Ela é, contudo, de grande importância para as pessoas que acreditam ser possível associar o crescimento econômico à preservação dos recursos naturais. Nessa data, o presidente Lula assinava o decreto de criação da primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável -RDS - do país, batizada de Itatupã-Baquiá.

Localizada no Pará, no estuário do Rio Amazonas, a pioneira RDS federal tem cerca de 65 mil hectares de áreas de várzea e 802 habitantes, distribuídos em 143 famílias. Apesar desta categoria estar prevista na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC -, o Governo Federal ainda não havia lançado mão de tal prerrogativa. As duas RDS já existentes no país foram instituídas por legislações estaduais: em 96, o governo do Amazonas transformou a Reserva Ecológica de Mamirauá em Reserva de Desenvolvimento Sustentável e, um ano depois, em 97, o governo do Amapá criou a RDS do Rio Iratapuru.

A principal característica das RDS é a busca da conservação do meio ambiente, entregando à população local as atividades de manejo dos recursos naturais da fauna e da flora e de vigilância da unidade. Depois de um ano de debates nas comunidades locais, a proposta inicial era que o Município de Curupá criasse a Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Essa idéia acabou descartada, porém, diante de notórias práticas políticas ainda vigentes no Brasil, a exemplo do coronelismo. "Achamos mais seguro que a RDS fosse federal", resume Jorge Pinto, coordenador da ONG Fase-Gurupá, parceira das comunidades na região. Para ele, a criação da reserva ilustra o reconhecimento, por parte do Governo Federal, da capacidade em organizar-se mostrada por esses camponeses.


Servir de modelo é um desafio apreciado pelas sete comunidades atingidas pela RDS em Gurupá, município do arquipélago do Marajó. "Elas certamente se tornarão referência para outras na região das Ilhas", antecipa Jorge Pinto. "Estamos fazendo tudo para dar certo", diz ele, confiante de que o Ibama também cumprirá sua parte. O órgão tem 90 dias, a contar da data de assinatura do decreto governamental, para fazer os documentos de cessão de uso das terras para a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Região do Itatupã-Baquiá, que vai gerenciar a RDS.


Dois projetos financiados pelo Pró-Várzea, programa do Ibama, já estão sendo coordenados por associações da região, discutindo e aplicando técnicas de manejo florestal e de manejo comunitário de recursos aquáticos. Em mais uma prova de integração bem sucedida, ambos estão sendo pensados conjuntamente no bojo de um plano integrado de desenvolvimento.


"Esta reserva foi criada por demanda dos comunitários e tem um histórico interessante: a área foi intensamente explorada por uma empresa madeireira que se dizia dona das terras e extraía também palmito", conta Enrico Bernard, coordenador do Programa da Amazônia da Conservação Internacional. "Quando descobriram que a empresa não detinha o domínio de posse, a Fase-Gurupá fez uma busca da cadeia de domínio da terra e preparou o documento de requisição", completa.


Bernard atesta os esforços da ONG paraense, que trabalha com os comunitários desde 1997. 'Essa reserva talvez seja, em toda a Amazônia, a que teve o melhor trabalho de base pré-criação", diz ele, referindo-se aos projetos pilotos, "conduzidos como verdadeiros experimentos". Entre os exemplos, está o manejo de açaí, fruto típico do Pará que, a partir desse empenho em prol do desenvolvimento sustentado, tornou-se fonte de renda para famílias na região, diminuindo a pressão sobre a madeira. "Poucas vezes visitei um projeto onde houvesse um engajamento tão significativo dos comunitários. A Fase-Gurupá realmente fez um bom trabalho de preparação", elogia Enrico Bernard.



Segundo Jorge Pinto, na próxima semana, novas reuniões entre as comunidades vão começar a definir, também, um cronograma de trabalhos, a ser desenvolvido até o final deste ano. Já estão acertados estudos biológicos em parceria com o Museu Emílio Goeldi, sediado em Belém, e atividades de capacitação dos comunitários, por enquanto sem parceria firmada.

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