Mata intocada

O Globo, Revista O Globo, p. 82-84 - 17/12/2006
Mata intocada

Roberta Jansen

É justamente onde o Brasil começa, lá no extremo norte, que está a cobertura de floresta tropical mais bem preservada do país. Território federal com acesso restrito durante anos, localizado num ponto remoto e cortado por rios encachoeirados, o Amapá é hoje um dos maiores guardiões da rica diversidade amazônica. Agora, uma série de expedições científicas começa a explorar essa região em busca de uma análise mais completa de suas riquezas naturais.

Recordista em preservação
Para além das condições geográficas e conjunturais que ajudaram a proteger a vegetação, atualmente nada menos que 73% da área do estado do Amapá são compostos por áreas protegidas, como parques nacionais, terras indígenas e reservas biológicas e extrativistas.

É no Amapá que fica o Parque Nacional do Tumucumaque, uma das maiores áreas de floresta tropical protegidas do mundo, com 3,8 milhões de hectares. De acordo com dados do governo do estado, 97% da cobertura vegetal do estado são mata original, intocada. Dos 600 mil habitantes do Amapá, 400 mil estão concentrados entre Macapá e Santana.

- Nenhum outro estado do Brasil tem uma cobertura de proteção tão grande - garante o biólogo Enrico Bernard, gerente do Programa Amazônia da Conservação Internacional e coordenador das expedições. - É também a mais alta taxa de preservação da Amazônia.
A taxa de desmatamento é muito baixa, a pressão é maior sobre as áreas de cerrado e próximo a Macapá.

Essa situação única no país atraiu a atenção de especialistas.

- Na maior parte da Amazônia, a gente corre atrás do desmatamento - diz Bernard. - No Amapá, podemos planejar e pensar com calma.


Com tantas áreas já protegidas oficialmente, o próximo passo será implantar um corredor biológico que as interligue, garantindo que não haja isolamento de regiões e espécies, e promovendo um fluxo genético. A primeira etapa para a criação desse corredor ocorreu em 2004, com o início das expedições que tinham por objetivo justamente fazer um levantamento inicial das riquezas.
- 0 potencial de pesquisa é enorme, mas a verdade é que há pouco conhecimento sobre a biodiversidade e uma demanda por expedições científicas.

Encontradas 20 espécies novas
De agosto de 2004 a março deste ano foram 11 expedições, em que foram registradas mais de 1.700 espécies. Os registros ainda estão sendo estudados em maior profundidade, mas acredita-se que, desse total, pelo menos 20 espécies sejam totalmente novas, sobretudo de sapos e peixes.

Corno os naturalistas do passado, os expedicionários modernos faziam, a cada incursão na floresta, um inventário dos animais que iam descobrindo. Registraram-se, em média, 250 espécies diferentes por expedição. Para se ter uma idéia da riqueza em termos de biodiversidade, vale lembrar que há florestas na Rússia e no Canadá, por exemplo, onde não há mais do que dez espécies.

É um número maior de espécies do que o devidamente registrado em todo o Reino Unido - diz o biólogo.

Além das novas espécies, os cientistas também descobriram animais raros, como o lagarto Amapasaurus tetradoctylus, que há 35 anos não era avistado e se acreditava extinto.

- Temos cinco possíveis novas espécies de sapo, uma de lagarto e uma de cobra, mas ainda esperamos confirmação - afirma Jacivaldo Dias Lima, especialista em répteis e anfíbios.

As expedições revelaram também novos dados sobre hábitos, até então desconhecidos, de determinados animais.

- A gente tem registrado dados ainda não coletados sobre algumas espécies, sobre comportamento e alimentação - aponta o biólogo Luiz Antonio Coltro Jr, especialista em aves da Amazônia.

Além das florestas tropicais, o Amapá abriga ainda vegetação de várzea, áreas alagáveis, zonas de cerrado e uma extensa faixa de manguezais, a maior parte também bem preservada. O Corredor de Biodiversidade do Amapá, a ser implementado, interligando todas essas áreas, teria aproximadamente 10 milhões de hectares - área maior que a de Portugal.

O grande desafio hoje do governo estadual é criar condições para utilizar a biodiversidade como alavanca para o desenvolvimento econômico. Mesmo a extração de madeira e a mineração, garantem os especialistas, podem ser feitas de forma sustentável, garantindo a preservação. Se conseguirem, será um exemplo único no mundo de integração de floresta e desenvolvimento.

Roberta Jansen viajou ao Amapá a convite da ONG Conservação Internacional

O Globo, 17/12/2006, Revista O Globo, p. 82-84
UC:Parque

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