Manaus (AM), Brasil Seringueiros alertam governos sobre conflito na Gleba Floresta, em Boca do Acre, que há dois meses vem sendo invadida por madeireiros e posseiros
O Greenpeace recebeu na última quinta-feira, dia 12, a visita de lideranças comunitárias do Acre e do Amazonas, alarmadas com a invasão de seringais por madeireiros e posseiros em Boca do Acre (AM). Desde meados de maio, um grupo de pessoas ameaça e coage as cerca de 170 famílias que vivem na Gleba Floresta, na divisa dos estados do Acre e do Amazonas. Segundo seringueiros e ribeirinhos, os invasores buscam madeira e terras para pastagem de gado bovino, e contariam com o apoio de políticos da região.
Desde 2000, as comunidades tradicionais da Gleba Floresta pedem a criação da Reserva Extrativista Baixo Acre, o que daria aos comunitários segurança sobre a posse da terra e dos recursos naturais. As comunidades descendentes de ribeirinhos e seringueiros que vivem há décadas na área realizam a extração sustentável de borracha e castanha. No Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o processo de criação da Reserva Extrativista Novo Axioma. abrange a área da gleba.
O governo do estado precisa agir urgentemente para frear o acelerado movimento predatório na região sul do estado do Amazonas e pacificar a área, diz Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace. O sul do Amazonas, nas fronteiras com Rondônia e Acre, sofre intensa pressão de madeireiros e pecuaristas vindos de outras regiões. Recentemente, a queima da residência de um comunitário resultou na morte de um dos invasores, que agora clamam vingança e avançam com mais rapidez sobre a área. Esta foi a segunda casa incendiada desde maio.
Em nota pública enviada nesta sexta aos órgãos responsáveis no estado do Amazonas e no governo federal, o Greenpeace, o CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros), o GTA (Grupo de Trabalho Amazônico), a Asabra (Associação dos Seringueiros e Agricultores do Baixo Acre) e a Fetacre (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Acre) cobraram providências para solucionar o conflito.
Veja abaixo a íntegra da nota pública e as reivindicações feitas pelos seringueiros, com o apoio do Greenpeace:
Nota Pública sobre Conflitos Fundiários no Município de Boca do Acre (AM) Gleba Floresta
A sociedade civil organizada vem a público denunciar a situação de conflito social grave em que se encontra a região sul do estado do Amazonas, o município de Boca do Acre (AM), uma das frentes de devastação mais intensas e violentas da Amazônia brasileira na atualidade.
Antecedentes
Leia abaixo a descrição do conflito, conforme relato das lideranças comunitárias da região.
1. A região do conflito está concentrada no Seringal Novo Andirá, um dos 19 seringais da Gleba Floresta, localizada no município de Boca do Acre, estado do Amazonas, à margem esquerda do rio Acre, na divisa dos estados do Acre e do Amazonas.
2. A Gleba Floresta é uma ocupação tradicional de seringueiros e ribeirinhos, com algumas fazendas de gado já presentes na área. Aproximadamente 170 famílias vivem na gleba, sendo que 40 delas vivem no Seringal Novo Andirá. A principal produção dos extrativistas são a borracha e a castanha, enquanto os ribeirinhos realizam a agricultura de subsistência.
3. O Seringal Novo Andirá, segundo informação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), consta como terras públicas da União, e, em sua discriminação, abriga famílias que vivem da coleta de castanha e da borracha.
4. A área foi indicada pelos moradores para criação de uma unidade de conservação de uso sustentável, denominada Reserva Extrativista do Baixo Acre, junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em 2000. Desde então, já foram realizadas duas (02) audiências públicas, com a participação de cerca de 700 extrativistas, representantes do Ministério Público Federal (AC e AM), do INCRA (AC e AM), do IBAMA (AC e AM) e de outras instituições governamentais e não-governamentais. Esses eventos aconteceram em Boca do Acre (AM) e em Rio Branco (AC). Desde então, o processo de criação está parado no IBAMA.
Conflito Fundiário
5. Na Gleba Floresta, a convivência de seringueiros e ribeirinhos com os fazendeiros que estão presentes na área nunca foi pacífica. No entanto, nunca havia sido registrada nenhuma ameaça de morte, ocorrência de homicídio ou de depredação de bens. Até recentemente, os fazendeiros mantinham um respeito pelos limites da área dos extrativistas.
6. Em abril de 2006 chegou à região um grupo de invasores autodenominados agricultores, que começou a ocupar o Seringal Pirapora. A partir de 15 de maio de 2007, os invasores passaram a investir sobre o Seringal Novo Andirá, em um total de cerca de 60 invasores, que passaram a derrubar as seringueiras e castanheiras desta gleba e ameaçando constantemente as famílias extrativistas e ribeirinhas.
7. Hoje já chega a 10 famílias extrativistas e ribeirinhas que tiveram suas posses colocação de seringa desmatadas e seus bens danificados ou queimados.
8. As ameaças de morte agora são constantes, com o uso de armas de fogo, queima de casas e barracas, depredação do material de corte e coleta da seringa, proibição do direito de ir e vir pelas estradas de corte da seringa e na própria gleba. A situação atual configura a turbação e o esbulho das posses extrativistas, zeladas e cuidadas há décadas.
9. As posses derrubadas pelos invasores para roçados atingem especialmente as estradas de seringas e os castanhais. Estes desmatamentos são ilegais e, sendo atos abusivos, já foram denunciados pelos extrativistas ao IBAMA (AC), ao Ministério Público Federal (AC) e à Polícia Federal (AC), por ASABRA, CNS e FETACRE, que assinam esta nota. O IBAMA e a Polícia Federal do estado do Acre estiveram no local, autuaram alguns invasores e embargaram os desmatamentos. Mas isto não resolveu o problema, pois os invasores desobedeceram o embargo do IBAMA e continuaram os desmatamentos. Os extrativistas também continuaram as denúncias ao Ministério Público Federal, a
outras instituições e à imprensa.
10. As denúncias estão sendo realizadas pelos extrativistas desde 2006, e a documentação está cronologicamente arquivada pela ASABRA. Ressaltamos que a Procuradoria da República do Acre, repassou os documentos para a Procuradoria da República do Amazonas, destacando as ameaças e invasões desta gleba.
11. Os invasores, segundo os extrativistas do Seringal Novo Andirá, estão sendo liderados e mobilizados pelo Sr. Raimundo Nonato do Nascimento, Sr. Dedê, Sra. Dalva, Sr. James, entre outros, sendo possivelmente ligados a políticos (senadores, deputados estaduais e vereadores) e fazendeiros do estado do Acre.
12. Recentemente, a ASABRA, através de suas lideranças, fez uma Notícia Criminis, encaminhada à Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do Estado do Acre, que foi enviada para o Ministério Público Federal do Amazonas. Também a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Acre, manifestou-se em nota sobre o caso, pedindo providências das autoridades para resolver o conflito na área.
13. No dia 03 de julho de 2007, diversas famílias de extrativistas foram ameaçadas pelos invasores em represália às denúncias feitas junto a autoridades e à imprensa, resultando na queima de duas casas. Em uma das casas incendiadas, de propriedade do Sr. João do Nascimento Lopes, cuja família reagiu em defesa própria, registrou-se, lamentavelmente, o falecimento de um dos invasores. O seringueiro, que já vinha sendo ameaçado, teve sua casa queimada junto com seus bens e pertences. Sua estrada colocação foram desmatadas.
14. Neste momento o conflito está armado entre as duas partes, sendo que os invasores querem vingança e continuam desmatando. Enquanto isso, os extrativistas estão se agrupando para defender suas posses e solicitando das autoridades dos estados do Acre e do Amazonas a intervenção e mediação do conflito.
15. Se não houver uma intervenção imediata por parte das autoridades, o conflito tende a acirrar-se, com o sério risco de mais perdas de vidas humanas.
Reivindicações
16. A imediata intervenção da força policial para uma ação de desarmamento na Gleba Floresta.
17. A retirada imediata dos invasores da Gleba Floresta.
18. A imediata verificação, análise e reparação das perdas da cobertura vegetal da Gleba, levando em conta a seringueira e a castanheira.
19. O imediato apoio financeiro às famílias extrativistas e ribeirinhas que tiveram sua produção perdida.
20. A imediata regularização fundiária, por parte do INCRA, das propriedades das famílias extrativistas.
21. A imediata criação da Reserva Extrativista do Baixo Acre pelo Ministério do Meio
Ambiente/IBAMA/Instituto Chico Mendes ou de um Projeto de Assentamento Extrativista, pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
22. A presença consistente do Governo do Estado do Amazonas, no Município de Boca do Acre.
Manaus (AM), 12 de julho de 2007
Conselho Nacional dos Seringueiros
Grupo de Trabalho Amazônico
Associação dos Seringueiros e Agricultores do Baixo Acre
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Acre
Greenpeace
UC:Reserva Extrativista
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