Pesca predatória, invasão de fronteira, de unidades de conservação e de terras indígenas, disputa entre pescadores e até ameaça de morte transformaram o defeso dos peixes do rio Acre em período de tensão entre as populações ribeirinhas, indígenas e pescadores brasileiros, bolivianos e peruanos.
A situação exigiu da equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que atua na Estação Ecológica (Esec) Rio Acre uma postura firme, mas diplomática, durante as seis fiscalizações realizadas entre novembro do ano passado e março deste ano, para impedir a pesca no lado brasileiro do rio e evitar conflitos na região durante os quatro meses do defeso.
Ao final da temporada de interdição da pesca, a equipe da Esec concluiu que o governo brasileiro necessita firmar urgentemente um acordo com a Bolívia e com o Peru para assegurar a reprodução dos peixes, mas, principalmente, para deter possíveis enfrentamentos armados na região da tríplice fronteira, precisamente em Assis Brasil, provocados pela disputa por peixes do rio Acre entre as populações locais dos três países.
ACORDO - No entendimento da equipe da Esec, mais do que um consenso entre os três países para garantir a preservação das espécies de peixe em declínio no rio Acre, um acordo de pesca vai representar um pacto de paz que poderá eliminar a tensão existente na área. Mobilizados como intermediadores das comunidades locais, os servidores do ICMBio na Esec estão empenhados na coleta de dados sociais e ambientais para produção de um documento que deverá servir de ponto de partida para elaboração de um acordo internacional de pesca.
Para isso, a partir deste mês, eles vão iniciar uma série de reuniões com as populações a fim de reunir em um documento as reivindicações relativas à pesca, tanto das comunidades brasileiras como das estrangeiras. A equipe prevê também a realização de um estudo em todo o rio Acre para produção de um diagnóstico, com estatística, principais espécies de peixe, tamanho e locais de pesca, para compor o documento.
Na avaliação dos analistas ambientais da Esec, esse é um dos principais dados a serem conferidos num estudo, visto que desde 2002 pescadores brasileiros alertam para a redução do número de peixes e advertem para o risco de extinção das espécies.
Há registros, sobretudo nos últimos quatro anos, de um drástico declínio no número de peixes. Essas informações deverão resultar numa descrição atual da situação da área e também subsidiar os governos dos três países na criação de um acordo de pesca que una as três nações num projeto que proteja, preserve e reverta a redução das espécies da região.
CONFLITOS - O declínio das espécies foi um dos principais motivos dos conflitos ocorridos entre povos indígenas jaminawa e manchineri da Terra Indígena Cabeceiras do Acre e pescadores brasileiros, que tiveram de buscar em áreas protegidas, incluindo aí a terra indígena, o produto escasseado nas regiões em que a pescaria era liberada. Resolvidos com a edição da Instrução Normativa (IN) 156/07 pelo Ibama, que proíbe a pesca nas áreas protegidas fronteiriças de Assis Brasil, os conflitos, que antes eram restritos aos jaminawa-manchineri e pescadores brasileiros, passaram a ocorrer entre os indígenas e os estrangeiros.
Agora, nessas mesmas áreas protegidas, principalmente no interior da terra indígena, bolivianos e peruanos começaram a pescar, o que vem provocando um novo tipo de conflito, que pode gerar um enfrentamento internacional. Prova disso é que na última temporada de interdição, entre 15 de novembro do ano passado e 15 de março deste ano, enquanto grande parte dos pescadores brasileiros cumpria a determinação da IN 205/08, que proibiu a pesca no período de defeso no rio Acre, pescadores peruanos e bolivianos intensificaram a atividade na região.
Segundo informações da Colônia de Pescadores Profissionais de Assis Brasil, que congrega cerca de 80 pescadores, os bolivianos e principalmente os peruanos retiraram mais de três toneladas de peixes do rio Acre, todas da espécie piranambu (Pinirampus pirinampu), que não é consumida no Brasil, contudo, tem grande valor comercial no Peru.
A analista ambiental e chefe da Estação Ecológica Rio Acre, Carla Guaitanele, disse que a entrada de peruanos e bolivianos na atividade pesqueira é novidade. O presidente da Colônia de Pescadores Profissionais de Assis Brasil, João Freire de Albuquerque, considera a iniciativa dos estrangeiros uma provocação, uma vez que eles começaram a atividade exatamente quando perceberam a ausência dos pescadores brasileiros durante os meses reservados ao defeso.
NOVOS ATORES - O fato é que a proibição da pesca somente para os pescadores brasileiros durante o defeso e a entrada dos estrangeiros no ramo criaram o clima de tensão na fronteira que persiste há dois anos. Os pescadores brasileiros, que desde 2002 reivindicavam a proibição da pesca no período de defeso para proteger as espécies, voltaram atrás com a entrada dos estrangeiros na pescaria. Apesar de receberem o auxílio-defeso (um salário mínimo por mês durante os quatro meses do defeso), eles reivindicam uma revisão da IN 205/08 e querem uma espécie de licença para pescar o piranambu nessa época do ano.
Segundo Carla Guaitanele, apesar de terem entrado no ramo de forma tímida, os peruanos, que nunca haviam praticado a pesca na região, equiparam-se e chegaram até mesmo a criar, no ano passado, na margem peruana do rio, uma colônia onde já residem cerca de 20 pescadores. Os bolivianos, por sua vez, entraram em cena somente este ano.
FISCALIZAÇÃO - Durante as fiscalizações da última temporada, a equipe do ICMBio constatou tanto a intensificação da pesca como o aumento das ameaças. Carla Guaitanele afirma que as equipes do ICMBio, Ibama e Polícia Federal flagraram pescadores bolivianos e peruanos com utensílios de pescaria e caixas de poliestireno (isopor) abarrotadas de peixes.
As equipes flagraram peruanos pescando no interior da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes e avistaram diversas embarcações com peruanos pescando em vários trechos proibidos no lado brasileiro, todavia, ao virem as equipes de fiscalização, eles fugiram para a margem do rio Acre no Peru. Segundo Carla, o fato de o rio ser estreito (apenas 50 metros de largura em alguns trechos) facilita a fuga de pescadores e impossibilita a ação das equipes de fiscalização.
"A região da tríplice fronteira agrega um mosaico de áreas protegidas nos três países e, por isso, trata-se de uma região extremamente vulnerável. Com três legislações distintas e um rio em comum, faz-se necessário realizar um acordo de pesca trinacional o mais breve possível para garantir a proteção dessas áreas, bem como a sustentabilidade das comunidades ribeirinhas que ali residem", defende a chefe da Esec Rio Acre.
UC:Estação Ecológica
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