Rã de 2 cm para obra do PAC no Rio

OESP, Economia, p. B6 - 04/10/2009
Rã de 2 cm para obra do PAC no Rio
Trecho de 4 quilômetros da obra do arco rodoviário foi suspenso para definir como tratar anfíbio em extinção

Alberto Komatsu

Primeiro foram os bagres que atrasaram a autorização para a construção de duas hidrelétricas no Rio Madeira, em meados de maio de 2007, um investimento de quase R$ 20 bilhões. Depois, uma perereca colocou de molho, por sete meses, uma ponte sobre o Rio Juruá (RS) até descobrirem que ela não estava em extinção. Em julho, um mico levou o Ibama a questionar a construção de uma nova via, em Brasília.

Agora, é a vez de uma pequena rã, que mede só 2 centímetros quando adulta, paralisar, desde o dia 24, um trecho de 4 quilômetros do arco rodoviário metropolitano do Rio de Janeiro, obra que terá uma extensão total de 145 quilômetros e orçamento de quase R$ 1 bilhão. Esse lote - batizado de 3 e que tem extensão total de 70,9 quilômetros - está localizado no município de Seropédica, na Baixada Fluminense, a cerca de uma hora de carro do centro do Rio.

Apesar de ter ficado conhecida como a perereca que parou uma estrada do Programa de Aceleração do Crescimento ( PAC), o professor adjunto do Instituto de Biologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Hélio Ricardo da Silva, explica que se trata de uma rã.

"A rã Physalaemus soaresi está na categoria em extinção porque a área em que ela vive é muito pequena e existe uma forte pressão urbana ao seu hábitat. Ela parece ter hábitos de vida ligados ao chão da floresta e se a floresta é ameaçada, ela também é", diz o biólogo da Rural, especializado em anfíbios.

A convite do Estado, Silva visitou o lote 3 do arco rodoviário do Rio, que está com as obras paralisadas e, num local próximo, encontrou uma rã macho. Segundo ele, as obras do arco rodoviário na região "muito provavelmente" já interferiram no hábitat da pequena rã.

O problema, diz o especialista, é que estamos na época do acasalamento da rã. O macho é identificado por um canto que emite para atrair a fêmea. "É possível que os indivíduos que já reproduziram próximo à obra percam seus filhotes e contribuam menos para as próximas gerações, empobrecendo assim a diversidade genética da população. Não se pode ainda avaliar isso, mas é uma possibilidade", afirma Silva. O impacto da maior obra do PAC no Rio sobre outra espécie rara, encontrada no brejo, um diminuto peixe conhecido como Notholebias minimus, também deverá ser analisada.

O biólogo defende que bastaria um desvio de cerca de 100 metros para que o empreendimento não tivesse impacto no hábitat de espécies raras.

O subsecretário estadual de obras do Rio, Vicente Loureiro, discorda. "Não é verdade. Quero dizer, com todo respeito aos especialistas de cada área, que, do lado de cá, os engenheiros são especialistas e vêm estudando a localização do arco metropolitano", diz Loureiro. Para ele, a diretriz do projeto de uma estrada de grande porte não pode ser desviada "a cada empecilho ou potencial obstáculo".

Loureiro lembra que são levados em conta num projeto como esse normas como declividade, raio de curvatura e rampa para ter uma velocidade operacional adequada às normas internacionais.

O subsecretário conta que a proposta de solução para o impasse é a instalação de placas de aço para isolar o hábitat das rãs, com o objetivo de protegê-las e garantir o período de reprodução, que vai de setembro a fevereiro. A alternativa foi anunciada oficialmente pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Essa alternativa, diz ele, será analisada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, mas ainda não há prazo nem estimativa para o início da instalação. Nem para a retomada das obras. Loureiro acrescenta que as placas de aço também pretendem proteger o peixinho e que essa alternativa já obteve sucesso em outras situações semelhantes.

O diretor da Floresta Nacional (Flona) Mário Xavier, Valson William Chain, conta que o próximo passo será uma análise da viabilidade das placas de aço. O estudo, disse será feito pelo Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN), do Instituto Chico Mendes, em Goiânia, que estava marcado para ser apresentado até o final da semana. A Flona Mário Xavier é onde está localizada a pequena rã e o peixinho.

"Eles vão apresentar o diagnóstico que encontraram aqui. A partir dessa apresentação, é que vai ser dado início às discussões. Não posso afirmar nada enquanto o RAN não fizer essa apresentação", afirmou Chain. Já o biólogo da Rural defende outra alternativa. "Manter o parque e manejar as áreas onde ela ocorre talvez com proteção e ampliação das áreas florestadas ", acrescentou.

OESP, 04/10/2009, Economia, p. B6
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