O Globo, Rio, p. 19 - 27/06/2010
O avanço sobre o verde
Em cinco anos, número de favelas que ocupam áreas de proteção ambiental cresceu 282%
Luiz Ernesto Magalhães
Das janelas dos apartamentos da Rua Roberto Dias Lopes, no Leme, moradores acompanharam ao longo dos anos o crescimento horizontal e vertical da Favela do Chapéu Mangueira, em plena Área de Proteção Ambiental (APA) dos morros da Babilônia e São João. O que se tornou rotina no bairro está longe de ser exceção. O Rio já tem pelo menos 65 favelas que têm trechos ou estão totalmente dentro de áreas de preservação demarcadas pela União, pelo estado ou pelo município, contra 17 identificadas até 2003. Ou seja, houve crescimento de 282,3% em cinco anos, como revela um estudo do Tribunal de Contas do Município. O órgão, que usa informações da própria prefeitura, levantou também a distância das comunidades em relação a áreas de preservação. Em 2003, 118 favelas estavam a uma distância máxima de 400 metros ou dentro de APAs. Cinco anos depois, já eram 182 comunidades (54,2% a mais).
No período pesquisado, o número de favelas na Zona Sul que ocupavam áreas de preservação passou de apenas duas - Vila Parque da Cidade, na Gávea, e Emílio Berta, em Copacabana - para nove. Entre as comunidades que no período avançaram sobre APAs, estão Rocinha, Cabritos e Tabajaras (entre Copacabana e Lagoa) e Dona Marta (Botafogo).
Apenas a Rocinha, no período levantado pelo TCM, cresceu 4,34%.
Em 2009, porém, a favela continuou a se expandir, como mostrou um monitoramento via satélite realizado pelo laboratório de Geoprocessamento do Núcleo Disciplinar de Meio Ambiente da PUC. A pesquisa tenta identificar desmatamentos no lado leste do Maciço da Tijuca.
- Em um ano, registramos 4,18 hectares de desmatamento, independentemente de ser ou não provocado por favelização. Mas, a pedido da prefeitura, monitoramos algumas favelas em especial. Foi possível observar o aumento das áreas ocupadas por Rocinha, Vidigal e comunidades da Tijuca - contou o geógrafo Rafael da Silva Nunes.
Mais 50 casas nos últimos meses
Segundo estimativas de técnicos da prefeitura, apenas na Rocinha existem pelo menos 850 residências nas regiões de Vila Verde (que, após um temporal em março, começou a ser reassentada) e da Macega (perto do Túnel Zuzu Angel). Essas casas precisam ser removidas por estarem na Área de Interesse Ecológico de São Conrado. Na Macega, segundo fontes do município, pelo menos 50 casas foram construídas nos últimos meses.
Apesar disso, o presidente da União Pró-Melhoramentos da Rocinha, Leonardo Rodrigues Lima, negou conhecer as invasões:
- Claro que na Rocinha existem pessoas em área de risco, que sobrevivem em condições miseráveis.
Mas não tem essa de barracos em área ambiental. Em área ambiental, só há mansões.
Postura contrária tem José Mário Hilário dos Santos, presidente da Associação de Moradores do Dona Marta, comunidade incluída pelo TCM, em 2004, na lista das que estavam em APAs. Ele diz que os muros construídos pelo governo do estado para demarcar a comunidade não eliminaram o problema ambiental. O líder comunitário estima que cerca de 300 pessoas vivam em 70 casas na localidade do Pico, uma área de risco.
- Nossa expectativa é que essas pessoas possam ser transferidas para um local melhor, com recursos futuros do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - disse.
Técnicos da TCM afirmam que o problema foi provocado pela falta de providências dos governos para cumprir a legislação em vigor. O Plano Diretor da cidade proíbe construções nas faixas marginais de rios e lagoas ou em áreas de preservação ambiental. "Uma política de não remoção foi confundida com uma postura de falta de controle, de permissividade para o surgimento de novas ocupações, que não solucionaram o déficit habitacional da população de baixa renda", diz o estudo.
Os fiscais consideraram tímida a atuação da Secretaria municipal de Urbanismo. Embora a cidade tenha 1.023 favelas, os Postos de Orientação Urbanística e Social (Pousos), que controlam a expansão das comunidades, estão presentes em apenas 51 delas, onde vivem hoje 250 mil pessoas. Segundo o TCM, as favelas que dispõem de Pousos estão crescendo a um ritmo 6,16% inferior ao daquelas sem orientação.
Outro fator citado pelo TCM é a especulação imobiliária. Segundo o relatório, a informalidade torna lucrativo o mercado imobiliário nas comunidades, o que pode explicar o crescimento vertical, principalmente nas favelas do Centro e da Zona Sul.
A administração do prefeito Eduardo Paes argumenta que herdou o problema e está tentando conter o processo de ocupação. O secretário municipal de Habitação, Pierre Alex Domiciliano Batista, lembrou que a prefeitura tem uma meta de reassentar, até o fim de 2012, 13 mil famílias que vivem em áreas de risco - que não estão localizadas, necessariamente, em APAs:
- Nós estabelecemos uma prioridade. Eliminar as casas em áreas de risco, que representam uma demanda mais urgente. Em alguns casos, as áreas de risco coincidem com as de preservação. Nós já reassentamos, por exemplo, metade da Favela dos Tabajaras (o trecho voltado para o Cemitério São João Batista).
Segundo o secretário, das 13 mil famílias a serem reassentadas, 4.100 já foram atendidas por um dos três programas oferecidos pela prefeitura. Elas podem optar por uma indenização para adquirir uma casa fora de área de risco; pela aquisição assistida (o município entra com parte do dinheiro para a compra de outro imóvel); ou pelo aluguel social (valor recebido enquanto não ficam prontas casas populares em construção pelo PAC).
Em nota, o secretário municipal de Urbanismo, Sérgio Dias, anunciou que a meta é chegar a mais 50 Pousos até o fim de 2012. Ele disse ainda que a prefeitura tem reforçado as ações de controle das comunidades, citando como exemplo demolições feitas na Favela Chácara do Céu, no Leblon, de puxadinhos que não respeitavam o gabarito de dois andares.
O Globo, 27/06/2010, Rio, p. 19
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