A REALIZAÇÃO das audiências públicas pela Fatma nos municípios de Governador Celso Ramos, Biguaçu e Florianópolis demonstrou que o projeto de instalação de uma indústria pesada na localidade de Tijuquinhas está longe de ser um consenso. Alguns devem se perguntar: como um empreendimento que promete tantos empregos e divisas pode ser tão polêmico? Como podem associações de moradores, de pescadores e de maricultores serem contrárias a este projeto?
Quem participou das audiências públicas pode perceber que a resposta é simples: porque existem impactos negativos significativos não apenas ao meio ambiente, mas ao atual patrimônio turístico, imobiliário e cultural da região, bem como, riscos à maricultura e à pesca. Ainda, existem incoerências graves no projeto do estaleiro da OSX em Biguaçu, pois a empresa não convence quando insiste que a melhor de quatro alternativas locacionais no Estado de Santa Catarina é exatamente aquela vizinha de três unidades de conservação (Área de Proteção Ambiental do Anhatomirim, Reserva Biológica Marinha do Arvoredo e Estação Ecológica de Carijós) e a única que necessita de um gigantesco e permanente processo de dragagem de um canal de navegação.
Ademais, apenas contribuiu ao acirramento de ânimos a ameaça perpetuada pelo empreendedor no sentido de que Santa Catarina perderia este investimento para o Rio de Janeiro, quando, na verdade, os projetos da OSX sempre foram de construir pelo menos dois grandes estaleiros no Brasil. Do mesmo modo, causa estranheza a necessidade de urgência no licenciamento da obra a ponto de comitivas de políticos viajarem para Brasília para acelerar a "liberação".
Poucos sabem, mas cumpre ao poder público não tomar decisões precipitadas quando existe incerteza científica quanto aos riscos e danos causados por uma atividade. Este é o denominado Princípio da Precaução, consagrado não apenas no Brasil, mas em todo o mundo civilizado. Em outras palavras, por precaução e para a preservação do equilíbrio, os estudos devem ser aprofundados em situação de insegurança ambiental.
No caso, não apenas o Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio Sul) aponta vários obstáculos ambientais para a instalação naquela localidade, mas também outros especialistas afirmam o mesmo. Pela legislação, o ônus da comprovação da inexistência de danos e riscos ou da mitigação destes é do empreendedor, não do órgão governamental.
Entretanto, a complexidade do debate da instalação do estaleiro em Biguaçu não se resume aos impactos à natureza. O que se coloca também em debate é o modelo de desenvolvimento metropolitano, a vocação econômica regional, a perpetuação de elementos que caracterizam a atual qualidade de vida, a fragilidade geológica das praias do entorno e a preservação de atividades que também geram empregos e que caracterizam a cultura local.
É simplório entender que o debate se restringe apenas ao licenciamento de uma obra, visto que, junto com este empreendimento será inaugurada uma "nova via" na Baía Norte. Por trás deste debate, há, no mínimo, também o projeto de um porto para transatlânticos. O futuro da região está sendo decidido e a maioria da população está sabendo disso.
Com o passar dos anos, até por falta de planejamento, que é um triste comportamento brasileiro, a história se encarregou de fazer com que a área metropolitana de Florianópolis não se tornasse um polo de indústrias como a que se pretende instalar em Biguaçu, mas sim um destino que justificasse o investimento de bilhões de reais em empreendimentos imobiliários e hoteleiros como os anunciados em Governador Celso Ramos.
Com o passar dos anos, foram criadas áreas de preservação que, além de conservar a biota, ajudam a manter a "saúde" das Baías Norte e Sul, e compõem a paisagem local, permitindo a manutenção da pesca, do crescimento da maricultura, atraindo turistas e fazendo com que a qualidade de vida na região seja absolutamente diferente da de outras regiões metropolitanas.
Por uma bênção do destino, a cultura do açoriano pôde ser preservada em localidades como Santo Antônio de Lisboa e Sambaqui, em Florianópolis, pela manutenção da pesca e da gastronomia em frutos do mar. Nestas atividades vários trabalhadores serão atingidos pelo estaleiro.
Da mesma maneira, por conveniência e conivência de governantes, o poder público autorizou a construção de loteamentos nas últimas quatro décadas em áreas geologicamente frágeis como a Praia da Daniela, Jurerê Internacional e Jurerê, na Capital. Há vários anos, nestes locais, moram famílias e o turismo também se desenvolve.
Bem, neste quadro mais completo, percebe-se que existe um atual patrimônio ambiental, turístico, imobiliário e cultural. Neste contexto é que se colocam os questionamentos: que modelo de desenvolvimento queremos? Vamos alterar o curso da história e alterar a atual vocação econômica da região?
A resposta até pode ser positiva, mas esta decisão precisa ser consciente, pois implica assumir os impactos negativos.
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