A Serra do Mar, cadeia montanhosa que se estende de Santa Catarina ao Espírito Santo, abriga o trecho contínuo mais bem preservado de Mata Atlântica do país.
Mas quem passa pelo quilômetro 50 da BR 277, que liga Curitiba ao litoral paranaense, e olha atentamente, percebe algo diferente na vegetação às margens da estrada. Ali está localizado o projeto Serra Nativa, uma iniciativa da empresa norueguesa Norske Skog que pretende restaurar 1.300 hectares atualmente ocupados por pinus, uma espécie exótica - ou seja trazida de fora da região - com alto potencial de colonização, o que a torna invasora.
A história começa no ano 2000, quando a Norske cruzou o oceano Atlântico, se instalou no país e adquiriu os ativos da antiga Pisa Papel Imprensa. Entre eles, existia a fazenda Arraial, uma propriedade com 10 mil hectares situada no município de Morretes (PR). Ali, enquanto 87% do terreno mantinha sua cobertura original, os outros 13% foram tomados por exóticas invasoras.
A Norske Skog decidiu resolver o impacto do pinus em sua área para facilitar a formação de um mosaico de unidades de conservação, como os Parques Estaduais do Pau Oco (que tem uma parte na fazenda Arraial que, em breve, será doada) e Marumbi, além dos campos de altitude preservados na Serra do Mar. O projeto não se trata de compensação ambiental.
A consultoria Silviconsult em parceria com Silvia Ziller, uma das maiores especialistas do tema no Brasil e diretora do Instituto Hórus, lideram a equipe.
Projeto no campo
As etapas do projeto são bem definidas. Pensado para durar, ao todo, oito anos, os dois primeiros serão utilizados para a remoção dos pinus nos 1.300 hectares, separados por dois terrenos: um muito maior, na parte interna da fazenda, e outro, menor, à beira da estrada, deixado por último em função das previstas dificuldades de comunicação à população. Durante estes mesmos 24 meses, será dada a partida ao processo de recomposição da floresta nativa, a partir de plantio total, enriquecimento do solo ou crescimento natural. Os seis anos seguintes são destinados à manutenção, fator preponderante para a garantia do sucesso da empreitada.
A execução da primeira etapa é complexa. Segundo Ziller, inicialmente está o conhecimento técnico, ou seja, identificar as espécies mais características da região na qual localiza-se a fazenda e iniciar a listagem daquelas principais. Entretanto, de modo geral, os viveiros produzem mais as frutíferas, e o que é imprescindível para a Serra Nativa são as plantas de crescimento rápido e que morrem entre 10 e 30 anos. Da lista ideal, portanto, foi necessário realizar um ajuste grande. A sorte, porém, sempre deve ser levada em conta. Foi o que aconteceu.
"Em 2010 encontramos uma pessoa que tem uma chácara a 15 quilômetros da fazenda, vizinha a uma área inundada por causa da construção de uma pequena barragem. Ele entrou na região e coletou as pequenas plantas, colocou em saquinhos e montou um viveiro. A diversidade é alta e tem a mesma genética, altitude e outras características da Arraial. Estamos usando estas plantas, fizemos misturas, mas neste primeiro momento prefiro as pioneiras, já que o mais importante é ter cobertura de solo. Não morreu quase nada", informa a diretora-executiva do Hórus, que também utiliza matéria-prima de outros viveiros.
O projeto, embora não tenha um estudo aprofundado sobre flora e fauna, utiliza a experiência de profissionais como Ziller. Além disso, os animais são registrados e observados, através de exemplos como pegadas de felinos e outros. Com isso, já é possível saber que existem, ali, capivaras e antas. Este último precisa de um grande território para circular. A conclusão é simples: o corredor com o restante da Serra do Mar está mantido.
Pinus em margens de rios
No início deste ano, O Eco acompanhou as atividades do projeto Serra Nativa durante um dia, acompanhado por Rodrigo Ribeiro de Souza e Carolina van der Laars Ribeiro (Norske Skog) e Michel Prado, assessor de imprensa. A bordo de um 4x4, a BR 277 impressiona pela beleza da Serra do Mar e suas imponentes montanhas. Cerca de uma hora após a saída de Curitiba, a entrada para a área da fazenda dá os sinais de que a chuva castigou os trabalhos dos últimos dias, tal e qual fez durante quase todo o último ano, algo que atrasou um pouco o cronograma.
A área, dividida por talhões de pinus (que vivem lado a lado com porções de nativas), tem, de acordo com Rodrigo Ribeiro, 120 pessoas trabalhando, desde técnicos, chefes de equipe e funcionários de campo. Os pinus retirados são vendidos para duas serrarias. "Idealizamos o projeto para que ele seja autossustentável. Já temos mais de dois milhões de reais de déficit acumulado. Mas vamos tentar de todas as formas conseguir equilibrar os gastos com os recursos que entram. Fizemos o cálculo da venda da madeira e, claro, acompanhamos todo o trabalho das serrarias, para que mantenham o absoluto rigor técnico e ambiental. Ao todo, o Serra Nativa vai custar 10 milhões de reais", diz.
Altamir Ribas, engenheiro florestal e consultor da Silviconsult, é um dos chefes do projeto diretamente na propriedade. Ele explica que todos os talhões são heterogêneos e há um planejamento prévio seguido pela escolha da metodologia a ser utilizada. Após a roçada dos pinus jovens, inicia-se a colheita. "A primeira coisa a ser feita depois é conter a erosão e, às vezes, fazer plantios de rápido crescimento", avalia.
Após esta fase, é preciso notar se há necessidade de plantio total. Na verdade, quanto menos material de fora for levado, melhor para a regeneração integral do ambiente. Sílvia Ziller explica que a propriedade tem áreas planas, outras com declives, zonas de pinus fechados e aquelas que se misturam a nativas. Portanto, é preciso investigar com rigor cada uma, já que plantar é caro - e nem sempre a melhor opção.
"As análises devem ser caso a caso. As áreas em que fizemos apenas controle de capim ou química pontual são as melhores que existem lá dentro. O custo é baixo, porque precisa fazer apenas uma vez. O plantio ajuda, mas deve ser usado em situações específicas. Trata-se de um recurso adicional, não a regra do processo de restauração, até porque florestas plantadas são muito semelhantes, mas não iguais às originais", completa a engenheira florestal do Hórus.
O passeio de carro pela propriedade, que está em todos os materiais de divulgação do IAP, segundo Capanezzi, mostra paisagens em franco processo de recuperação, estradas cobertas de lama (o que, às vezes, impede o acesso de automóveis), dá a noção da dificuldade de retirar pinus plantados quase dentro de rios e realça a inexistência de vida em matas homogêneas. Mas os resultados do Serra Nativa são animadores. De acordo com o "Relatório de Atividades - Julho a Dezembro de 2010", o talhão 6, por exemplo, já tem 90% da colheita das exóticas invasoras finalizada. A expectativa é de que nos primeiros meses de 2012, a fase de monitoramento tenha início, para que os pinus não voltem e as suas sementes não se dispersem.
Assim, seis anos depois, quem passar de carro pelo quilômetro 50 da BR 277 não verá mais nenhuma diferença na paisagem.
Licenciamento complicado
Mesmo diante de um cenário tão favorável, o processo que levou ao licenciamento das atividades do Serra Nativa foi lento. Enquanto a ideia parecia simples, ou seja, retirar as exóticas e restituir o ambiente natural, sua execução, já se sabia, seria difícil. Até 2004, as concessões de corte dos pinus eram emitidas pelo Ibama e o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para empresas que trabalhavam com exploração madeireira. Neste ano, porém, os dois órgãos interromperam as permissões para os clientes do consórcio que, historicamente, tinham direito ao manejo.
De acordo com Odete Capanezzi, coordenadora do Programa de Combate a Exóticas no estado, a fazenda não tinha a documentação legal completa, pois ainda era posse. Por este motivo, tiveram que realizar os trâmites no cartório, domínio da área e, em seguida, averbar a reserva legal. "Sempre falamos que todas as coisas associadas ao nosso trabalho ambiental deveriam estar legalizadas. Eles estão fazendo um trabalho importante, mas os princípios legais deveriam estar cumpridos para que o início fosse possível. Em seguida, chegamos ao ideal", completa.
A confusão de interpretação legal, explica Ziller, foi um complicador. Para ela, há um déficit de informações técnicas no Brasil a respeito de espécies invasoras. Além disso, a legislação brasileira diz que as Áreas de Preservação Permanente são, em princípio, intocáveis. Estes fatores, juntos, dificultam a emissão de licenças, em virtude dos desafios de se encontrar um profissional com capacidade técnica e segurança suficientes para a permissão.
"Quando houve o pedido para desbaste, não deixaram mexer nas beiras de rios (onde há muitos pinus na Fazenda Arraial) em função das APPs, o que é um equívoco. Caso houvessem respeitado a legislação quando a inclusão das exóticas começou, não teriam deixado plantar lá. É claro que há impacto na retirada da vegetação, mas é pontual, algo em torno de dois anos. É possível conviver com isto e fazer a gestão deste impacto. Em 2008, o Conama baixou uma norma dizendo que é de interesse social a remoção de espécies invasoras em APPs. Isto facilitou", diz Silvia Ziller.
http://www.oeco.com.br/reportagens/24873-exoticas-invasoras-expulsas-no-parana
Amazônia:Agropecuária
Unidades de Conservação relacionadas
- UC Marumbi
- UC Pau-Oco
As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.