Bichos do zôo soltos em ilha se multiplicam. E não há jeito de parar

OESP, Vida, p. A20 - 11/05/2006
Bichos do zôo soltos em ilha se multiplicam. E não há jeito de parar
Falta alimento e abrigo para tantos sagüis, capivaras, quatis e cutias na Ilha Anchieta (SP)

Cristina Amorim

A Ilha Anchieta, um dos parques estaduais mais populares de São Paulo, sofre atualmente com a superpopulação. Não de turistas, que também proliferam por lá, mas ainda dentro de uma quantidade administrável. É a população de bichos que tem atazanado os biólogos.
Existem centenas de sagüis, capivaras, quatis e cutias na ilha, de apenas 828 hectares, como constatou o ecólogo Ricardo Siqueira Bovendorp. Seu trabalho de conclusão de curso na Unesp, um censo dos mamíferos do local, mostra que a situação chegou ao limite.
Não há alimento e abrigo para todos os animais, que no inverno morrem de fome e em disputas por território. Os que sobrevivem impactam negativamente a vegetação e outros animais, como aves. Tampouco há predadores, como felinos, para manter o equilíbrio.
O exemplo mais claro do problema é o da cutia. Em 1983, foram soltos oito animais na ilha. O roedor, que se reproduz rápido, conta agora com cerca de 1.160 representantes.
Normalmente, a cutia é uma dispersora de sementes - ao enterrá-la para comer depois, acaba por esquecer o lanche e promove o nascimento de uma nova planta. O mesmo não acontece quando há cutias demais: ou ela nem chega a esconder a semente e come imediatamente, ou outra desenterra a comida. Isso já ocorre em Anchieta.
O sagüi-do-tufo-preto, também chamado de mico-estrela, é outro animal cuja população cresceu em demasia: passou de 5 indivíduos para 654. Predador de ovos, ele ajudou a diminuir a variedade de aves em Anchieta de 120 espécies para 80. O quati, que foi de 13 para 149 indivíduos, ataca as aves que vivem no solo.
Como resultado, sobraram apenas as aves que montam seus ninhos em galhos finos, onde os mamíferos predadores não alcançam. O problema é tema de estudo de uma colega de Bovendorp, a também ecóloga Ariane Dias Alvarez.
HISTÓRICO
Os mamíferos foram introduzidos na ilha artificialmente em 1983, doados pelo Zoológico de São Paulo poucos anos depois de a ilha ser alçada a parque estadual. Antigamente ela abrigava um presídio, e os moradores extinguiram boa parte da mata e dos bichos que viviam lá.
Há duas versões para o caso. Uma indica que o zoológico tinha animais demais; outra, que o Instituto Florestal achou por bem colocar bichos lá. "Acredito que tenha sido um pouco de cada coisa", diz Bovendorp.
Seja qual tenha sido a motivação, não houve planejamento. A ilha, que guarda mata atlântica em regeneração, recebeu animais desse bioma (como o sagüi) e de outros, como o ratão-de-banhado (acostumado a banhados do pantanal) e o tatu-de-rabo-mole (animal do cerrado). Os dois não se adaptaram ao ambiente e os poucos representantes morreram. "Quase 50% das espécies introduzidas foram extintas", conta o ecólogo.
Isso sem contar os animais introduzidos sozinhos, sem nenhum representante do outro sexo para reprodução. Foi o caso do tamanduá-mirim, do tatu-peba e do preguiça-preta - este morreu nas primeiras horas na ilha, após ficar exposto por horas ao calor, sem alimento, dentro de uma jaula, enquanto esperava-se o então prefeito de Ubatuba chegar para a cerimônia de entrega dos animais.
MANEJO
A solução é tão complexa quanto o problema. Não é possível retirá-los de lá, pois introduzi-los em outro lugar poderia reproduzir o mesmo desequilíbrio. A população que está na ilha, isolada, pode ter desenvolvido resistência ou suscetibilidade a determinada doença, característica que poderia minar outras populações.
No caso da cutia, o problema é maior. Duas espécies foram introduzidas, e elas cruzaram entre si. Geralmente, o híbrido é mais forte do que seus ancestrais. Colocá-lo em outro local pode contaminar as espécies originais. O manejo não pode ser feito pela caça, atividade proibida pela lei. Levar um felino para a ilha criaria outro problema, pois o predador pode comer tanto mamíferos quanto aves, já em desvantagem.
Bovendorp parte agora para a África do Sul, onde fará estágio de um ano nos parques onde existe manejo de animais. Depois, voltará para integrar a equipe do biólogo Mauro Galleti, que recebe financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para buscar soluções para o parque, como monitoramento e manejo da população e reintrodução de espécies de flora e fauna. "Este é um projeto que começa, mas não termina", diz o biólogo.

OESP, 11/05/2006, Vida, p. A20
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