Crime ambiental no paraíso

O Globo, Rio, p. 14 - 27/05/2010
Crime ambiental no paraíso
Clareira é aberta em área de espólio de Castor de Andrade no Saco do Céu, em Angra

Gustavo Goulart e Paulo Roberto Araújo

Um pedaço exuberante da Área de Preservação Ambiental (APA) dos Tamoios, na Ilha Grande, ganhou em oito meses uma clareira do tamanho de um campo de futebol. Registros fotográficos feitos de agosto a abril mostram o avanço significativo do desmatamento na Praia Negra, na Enseada do Saco do Céu, um dos pontos mais charmosos de Angra dos Reis. Mais de dez mil metros quadrados de mata já foram queimados próximo à praia, numa área pertencente ao espólio do bicheiro Castor de Andrade, morto em 1997, e administrada por sua filha, Carmen Lúcia de Andrade Iggnácio, mulher do contraventor Fernando Ignácio. As autoridades já têm conhecimento do crime ambiental, mas ainda não conseguiram combatê-lo.

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) embargou a obra em 11 de agosto passado, mas as fotos revelam que a filha de Castor ignorou a decisão. No mês passado, outra fotografia aérea tirada do local mostra que o desmatamento duplicou - em agosto eram quase cinco mil metros quadrados. As fotos mostram que as árvores no entorno da área desmatada encobrem a destruição. Segundo o coordenador geral de Fiscalização do Inea, Carlos Fonteles, além do desmatamento da área, também conhecida como Ponta da Raposinha - a região desmatada chama-se Sítio da Raposinha -, houve a retirada, até aquela data, de cerca de cinco mil metros cúbicos de saibro.
Falta de barco impediu perícia
Na região, comenta-se que aquele naco de mata pertence a Fernando Iggnácio, acusado de ser mandante de vários assassinatos na guerra dos caça-níqueis com seu cunhado, Rogério Andrade. A área, de 97.087 metros quadrados, com duas mansões projetadas pelo arquiteto Zanine, pertence às filhas de Castor, Beth e Carmen. Em Angra, o jogo do bicho é controlado por Cesar Andrade. Ontem O GLOBO tentou contato por telefone com Carmen Lúcia e suas advogadas, sem sucesso.

Em 12 de fevereiro, sábado de carnaval, uma equipe do Batalhão de Polícia Florestal e de Meio Ambiente (BPFMA), comandada pelo tenente Ronaldo Sabino, também flagrou o desmatamento. A equipe observou vestígios de queima de um manguezal (vegetação típica da região) numa faixa de 30 metros de largura por 160 de comprimento, além do plantio de grama na área já desvastada. O militar não pôde entregar a notificação de infração porque Carmen havia machucado um tornozelo e precisou ser levada a uma clínica médica. Mas esteve na 166ª DP (Angra) para fazer o registro de ocorrência 635/2010 por crime ambiental. No mesmo dia, a delegacia solicitou um laudo pericial, que até hoje não foi feito por "falta de barco".

O delegado Francisco Benitez Lopes disse que o BPFMA já foi avisado de que, em casos como este, deve aguardar a chegada de um perito.

- Temos aqui 365 ilhas e nenhuma lancha. Vamos lá como? A nado? Os policiais do Batalhão Florestal sabem que têm que aguardar o perito para levá-lo de lancha. Estamos aguardando o laudo pericial para encaminhar o RO para o Jecrim (Juizado Especial Criminal). Mas o perito tem que ser levado - explicou o delegado, referindose ao órgão da Justiça responsável pelo julgamento de crimes de baixo potencial ofensivo.

Mas o dano já está feito.

- Eles (os donos) terão que apresentar um Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad) feito por um especialista. Mesmo assim, a área só será revitalizada em 30 anos - calculou Fonteles.

O Ministério Público federal em Angra tomou conhecimento e aguarda uma resposta do Ibama sobre a competência da área - se federal ou estadual.

Na ocasião, o Inea emitiu o auto de constatação 1.921, assinalando os artigos 10 (agravantes); 46 (dano direto a alguma unidade de conservação); 49 (extrair de florestas consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais); e 57 (destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas, protetora de mangues, objeto de especial preservação) da lei 3.467/2000. Esta lei dispõe sobre as sanções administrativas acerca de condutas lesivas ao meio ambiente no estado.

O Inea quer, agora, levar o caso ao Conselho Diretor do instituto (Codir) para que decida sobre o aumento do valor da multa. Pelos crimes listados, a multa deveria ser de, no máximo, R$ 28.700. Fonteles quer aumentar o valor para até R$ 50 milhões, valendo-se do artigo 99 (quando as infrações puderem resultar em destruição significativa da flora).

O Globo, 27/05/2010, Rio, p. 14
UC:APA

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Tamoios (APA)
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.