Exigência ambiental ignorada

O Globo, Rio, p. 9 - 04/04/2011
Exigência ambiental ignorada
Angra 3 ganha licença sem que Eletronuclear mantenha áreas de conservação, como previsto

Carla Rocha

Uma alteração - ainda mal explicada - tirou do texto final da licença de instalação da usina nuclear de Angra 3, concedida no final de 2009, o item que obriga a Eletronuclear a assumir a manutenção e o custeio de duas importantes unidades de conservação na região de Angra dos Reis, o Parque Nacional da Serra da Bocaina e a Estação Ecológica (Esec) de Tamoios. A exigência, que constava da licença prévia, de 2008, simplesmente desapareceu. Até hoje, o convênio em que a Eletronuclear se compromete a repassar R$13 milhões em cinco anos para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que administra as unidades, não foi assinado. Para especialistas em licenciamento ambiental, a situação é atípica e irregular. Reportagem do GLOBO, há uma semana, mostrou que a Eletronuclear contratará uma auditoria para reavaliar a segurança das encostas no entorno das usinas de Angra 1 e Angra 2.

Com grande área de Mata Atlântica nativa, o Parque Nacional da Serra da Bocaina, da década de 70, e a Esec de Tamoios, de 90, foram criados como uma forma de proteção ao meio ambiente justamente em decorrência da instalação das usinas nucleares na região. A inclusão das unidades no rol das condições para a instalação de Angra 3 foi considerada uma vitória do ministro do Meio Ambiente na época, Carlos Minc, atual secretário de Ambiente do estado.

Minc também incluiu na licença prévia outras exigências que chegaram a gerar polêmica: a Eletronuclear deveria se comprometer com a construção de um repositório - destino final para o lixo atômico, que está até hoje em depósitos iniciais no terreno das usinas -, contratar um monitoramento ambiental de um órgão externo e destinar recursos para as obras da estrada Paraty-Cunha. Esta última é uma importante rota de fuga em caso de acidente, que ainda não saiu do papel por não terem ainda sido cumpridas exigências feitas pelo Ibama.

Minc fica surpreso com a exclusão
Minc disse ontem ter sido surpreendido pela notícia de que a exigência relativa às unidades de conservação não consta mais da licença de instalação. Ele revelou que, quando ainda estava à frente do Ministério do Meio Ambiente, recebera a denúncia de que o item havia sido subtraído do documento e exigiu do então presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, que fosse feita uma retificação.
- Era uma ilegalidade. Disseram na época que um conselho consultivo tinha solicitado por escrito a retirada do item. Mas alterar um documento desta complexidade só pode ser feito em casos muito excepcionais, depois de uma análise muito criteriosa. Exigi a reparação e fui informado que ela havia sido feita - diz o ex-ministro Minc.

O assessor de responsabilidade socioambiental da Eletronuclear, Paulo Gonçalves, informou ontem que, para a empresa, a exigência continua valendo e será cumprida, independentemente de não constar da licença de instalação. Segundo ele, as condições são cumulativas e, sendo assim, a licença de instalação não anula os termos da licença prévia.

Gonçalves explicou ainda que o convênio com o Instituto Chico Mendes ainda não foi assinado porque a empresa está verificando junto ao Ibama se os recursos investidos poderão ser abatidos do percentual que os empreendimentos com impacto ambiental têm que fazer em unidades de conservação. Pela Lei do Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), no mínimo 0,5% do total do custo do empreendimento deve ser destinado a unidades de conservação.
- Caso contrário, a empresa estará sendo penalizada porque já consta entre as condicionantes o custeio das unidades. Estaríamos pagando duas vezes - afirma o assessor da Eletronuclear.

Para o advogado especialista em direito ambiental, Rogério Zouein, a subtração da exigência relativa às áreas de conservação é um absurdo:

- Há indícios graves de irregularidade. E, se fosse séria a informação da empresa de que, para ela, a exigência continua valendo, já deveria ter assumido as unidades, o que não aconteceu. Se nada fez, não devia nem ter obtido a licença de instalação.

Zouein considera inaceitável a justificativa da Eletronuclear de que ainda não cumpriu a exigência porque pretende abater os valores do percentual estabelecido pela Lei do Snuc:

- A empresa deveria ter feito a alegação antes de aceitar a exigência.

Paulo Affonso Leme Machado, professor de direito ambiental da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e um dos maiores especialistas no assunto do Brasil, também chama atenção para o fato de que a licença de instalação não pode ser concedida sem que a licença prévia tenha sido adequadamente cumprida.

- É uma ilegalidade que fere o processo lógico do licenciamento. Uma mudança é algo atípico, que só pode acontecer a partir de estudos muito sérios. Uma licença não é um ato cosmético em que você vai sobrepondo camadas até acertar o que for melhor para o empreendimento. É por isso que se faz, por exemplo, o estudo prévio de impacto ambiental, o Eia/Rima - observa Machado.

Coordenador regional do Instituto Chico Mendes até o ano passado e ex-superintendente do Ibama no Rio, o analista ambiental Rogério Rocco classifica o episódio de estelionato ambiental.

- O descrédito do licenciamento é muito grande. É um cheque sem fundo. A sociedade tem a crença de que as exigências vinculadas serão cumpridas, as usinas entram em funcionamento e não há cumprimento algum - critica Rocco.

O ex-presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, que assina as duas licenças, não foi localizado para comentar o fato. Procurado, o Ibama também não retornou as ligações."


ONGs querem fim de apoio alemão a usina
Ambientalistas questionam os padrões brasileiros de segurança nuclear

Movimentos ambientalistas pediram a autoridades da Alemanha que desistam do acordo com o Brasil que prevê um subsídio de 1,3 bilhão de euros (cerca de R$ 3 bilhões) para a construção da usina nuclear de Angra 3, no município de Angra dos Reis (RJ). A iniciativa partiu da ONG Urgewald e de outras dez instituições, que assinaram carta enviada à chanceler Angela Merkel e aos ministros da Economia, das Finanças e das Relações Exteriores, segundo a BBC Brasil.
No documento, as ONGs alegam que o Brasil é um país com baixos padrões de segurança e não conta com uma fiscalização nuclear independente. Como argumento, citam o caso de Angra 2 - também resultado de uma pareceria com a Alemanha -, que funciona há dez anos sem uma licença permanente. Os ambientalistas alegam ainda que o projeto de Angra 3, feito nos anos 80, está ultrapassado. E que, por isso, apresenta sérios problemas relativos à segurança das pessoas e do ecossistema.
Desde a década de 70, a Alemanha colabora com o programa nuclear brasileiro. No caso de Angra 3, o país se comprometeu em subsidiar a empresa alemã Siemens, que forneceria equipamentos e insumos para construir a usina. Este tipo de subsídio estatal tem o objetivo de proteger empresas alemãs em caso de fracasso de empreendimentos no exterior. Ano passado, a Alemanha reafirmou seu compromisso com Angra 3, mas nenhum contrato chegou a ser assinado entre os dois países.
- A região prevista para Angra 3 sofre fortes chuvas e está sujeita a deslizamentos. Em casos como estes, a rota principal de fuga, a Rio-Santos, geralmente é interditada. Se houver acidentes, será preciso retirar cerca de 170 mil pessoas dali. Sem a rodovia, fica difícil - disse Barbara Happe, consultora da ONG Urgewald, que já morou no Brasil.


Saiba mais sobre as áreas

A riquíssima biodiversidade do Parque Nacional da Serra da Bocaina e da Estação Ecológica Tamoios, num conjunto de ilhas da Baía da Ilha Grande, se destaca na paisagem da região. O parque, na parte continental, tem mais de cem mil hectares e começa na Ponta da Trindade, em Paraty, na divisa entre Rio e São Paulo.
Os militares criaram o parque, nos anos 70, com o objetivo de proteger a população das principais cidades da região caso houvesse algum acidente nas usinas de Angra dos Reis. A ideia era que as escarpas da Serra do Mar, forradas por vegetação nativa, funcionassem como um escudo protetor.
O local tem uma das mais ricas amostras de Mata Atlântica nativa, que representa mais da metade de sua área. Sem investimentos, ainda sofre com ações predatórias, como a extração irregular de palmito. No passado, durante o período de colonização do Brasil, explorou-se na região a caça, depois, ouro e diamantes. As trilhas utilizadas na época ainda são o grande atrativo do parque.
A Estação Ecológica de Tamoios, na Baía da Ilha Grande, é constituída por 29 pontos geográficos, entre ilhas, ilhotas, lajes e rochedos, apresentando 96,64% de área marinha e 3,36% de área terrestre. A Estação Ecológica de Tamoios conta com uma sede administrativa continental, com 317 metros quadrados de área construída, em Paraty, às margens da Rodovia BR 101 (KM 531,5). Além das estruturas destinadas à administração, a sede tem um auditório, dois terminais para consulta pública ao Centro de Informações Ambientais da unidade e uma trilha (Tamoios) dentro da Mata Atlântica.

O Globo, 04/04/2011, Rio, p. 9
Energia:Política Energética

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  • UC Serra da Bocaina
  • UC Tamoios (ESEC)
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