Mosaico de ermos e riqueza

CB, Cidades, p. 28 - 09/08/2006
Mosaico de ermos e riqueza
Governo e iniciativa privada se unem para proteger o Parque Grande Sertão Veredas com projetos ambientais. Nome do lugar homenageia romance do mineiro Guimarães Rosa

Érica Montenegro
Da equipe do Correio

Uma iniciativa pioneira de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável está sendo aplicada no entorno do Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG). Na confluência entre os estados de Minas Gerais, Goiás e Bahia e com um dos índices de desenvolvimento humano mais baixos do país, a área vizinha ao parque é uma tradicional exportadora de imigrantes para o Distrito Federal. A idéia é fixar o sertanejo em seu lugar de origem, evitando que ele, seduzido pelo sonho da cidade grande, venda suas terras para plantadores de grãos e sementes. O homem do sertão é guardião da fauna e da flora do cerrado, concluem os ambientalistas.

"A região e o patrimônio do parque dependem do desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis para a população que vive no entorno da área", afirma Cesar Victor do Espírito Santo, superintendente executivo da Fundação Pró-Natureza, Funatura. Para que não aumente a quantidade de plantações de soja e de carvoarias nas áreas próximas à reserva ambiental - atividades de fazendeiros e pequenos proprietários de terra - a Funatura desenvolve, com o apoio do Ibama e Ministério do Meio Ambiente, o primeiro plano de conservação de cerrado no estilo de um mosaico com cerca de 900 mil hectares de áreas a serem protegidas com projetos de desenvolvimento sustentável.

Como o nome bem diz, trata-se de criar um plano de manejo para o uso dos recursos ambientais entre o Parque Grande Sertão Veredas e o Parque Cavernas do Peruaçu. Neste mosaico de riquezas naturais e longas distâncias (veja mapa ao lado), a ligação entre as duas unidades de conservação está sendo preenchida por diferentes tipos de áreas protegidas. "A intenção é garantir o trânsito de espécies entre as duas áreas de conservação", relata Cesar Victor.

Atividades
Para envolver a população dos municípios localizados entre as duas áreas de preservação, a Funatura articula os atores locais e incentiva os que têm vocação para exercer atividades que não agridem a natureza. "O sertanejo normalmente é muito sensível ao meio onde vive, então nosso trabalho consiste apenas em capacitá-los", explica Mara Moscoso, diretora de Gestão e Proteção Ambiental da Funatura.

A Fundação Banco do Brasil promove programas de geração de renda na área, como, por exemplo, incentivo ao artesanato, ao beneficiamento de frutos do cerrado e a apicultura. Do ano passado para cá, a instituição já investiu R$ 1,6 milhão em 11 municípios do noroeste mineiro, área onde está localizado o Parque Nacional Grande Sertão Veredas. "Privilegiamos atividades que têm a ver com a vocação da área e que ajudam na conservação ambiental. A apicultura, por exemplo, evita que as matas de galeria sejam destruídas", afirma Jorge Streit, diretor de Geração de Renda da Fundação Banco do Brasil. O Ibama prevê outros projetos de uso sustentável para a comunidade local.

Ecossistema ameaçado

Ao lado da caatinga, o cerrado é o ecossistema mais ameaçado do país. Tradicionalmente, usado como área de fronteira agrícola e de criação de gado, o cerrado brasileiro já está desmatado em metade de sua extensão. As plantações de grãos e as pastagens são os principais responsáveis pela derrubada da vegetação nativa. A destruição do cerrado é bem maior do que a da floresta amazônica - alvo de preocupação internacional e nacional e dos principais recursos aplicados em preservação ambiental. Lá, as áreas desmatadas compreendem 15% do total da região. Para proteger o que resta da vegetação e da fauna, os sertanejos são destacados pelo Ibama para vigiar a mata e seus rios.

O avanço sobre as áreas nativas de campos limpos, campos rupestres, veredas e matas de galeria despreza a biodiversidade do ecossistema do Brasil central. Apesar de não tão badalado, o cerrado brasileiro é rico - tem mais de 6.500 espécies de planta e 1.200 de animais. Também há muitas espécies endêmicas - que não são encontradas em nenhuma outra região do país. A diversidade de ambientes que caracteriza o cerrado é uma das explicações para o alto grau de endemismo. "Como as paisagens são bastante específicas, é comum que bichos sejam exclusivos de determinadas áreas", explica Cristiano Nogueira, analista ambiental da ONG Conservação Ambiental. Essa característica aumenta a preocupação com a forma predatória como o espaço vem sendo ocupado. "Cada área destruída é um prejuízo em potencial de perda de espécies", detalha Cristiano Nogueira.

O Parque Grande Sertão Veredas é uma das áreas-chave para a preservação da biodiversidade do cerrado. "Este é um projeto de desenvolvimento da região de longo prazo. Com ele as comunidades vão se estruturar melhor", afirma Sérgio Henrique de Carvalho, coordenador de Biomas do Cerrado, do Ibama. No parque estão protegidas várias espécies ameaçadas de extinção, como a arara-azul, a mucura do cerrado, o tamanduá-bandeira, a anta e o tatu-bola.

Dentro do parque e também no seu entorno, estão sendo descritas espécies novas de anfíbios, répteis e mamíferos que ainda não tinham sido registradas em nenhuma outra parte do país. Autor de pesquisa sobre os répteis do cerrado, Cristiano Nogueira conta que, dentro do Grande Sertão Veredas, encontrou uma destas espécies. É um lagarto do gênero Stenocercus sp que ainda está em fase de descrição.

O sertão verde de Minas

O cerrado na região do noroeste de Minas Gerais é bastante diferente do cerrado do Centro-Oeste que os brasilienses estão acostumados. Apesar do clima também ser árido, há muito mais água lá do que aqui. Na região estão concentrados os principais afluentes do Rio São Francisco. Enquanto aqui temos nascentes e córregos, lá ganham corpo os rios que abastecerão a parte nordeste do país.

A maior presença de água resulta em paisagens únicas como as veredas que encantaram Guimarães Rosa e deram título a sua principal obra. Típicas da região, as veredas consistem em terrenos alagados que são ocupados principalmente por buritis. Por causa da polinização dos pássaros, a palmeiras costumam crescer enfileiradas como se tivessem sido plantadas em ordem. No Parque Nacional Grande Sertão, há veredas de até 50km de exstensão.

Os sertanejos consideram as veredas e os buritis como oásis em meio ao sertão. "Onde tem buriti, tem água", conta o guia turístico Anderson Lopes Santana. Também têm aves. As araras canindé costumam fazer ninhos no topo desstas árvores que, quando adultas, chegam a 30m de altura. O gavião casaca de couro é outro que ocupa as árvores para de lá espreitar os invertebrados que caça. Os buritis também são utéis ao homem. Da sua palha, o sertanejo constrói (ou construia) a cobertura de suas casas. Também faz utensílios domésticos como cestas, esteiras e redes. (EM)

CB, 09/08/2006, Cidades, p. 28
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