Usinas no Rio Madeira e o desmanche do licenciamento

CB, Opinião, p. 13 - 25/08/2008
Usinas no Rio Madeira e o desmanche do licenciamento

Luis Fernando Novoa Garzon
Sociólogo, professor da Universidade Federal de Rondônia

A emissão da Licença de Instalação da Usina Hidroelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, em 13 agosto, à revelia das pendências e irregularidades que se mantêm desde o licenciamento prévio, é realmente fato revelador. O Ibama mostrou-se bem à vontade na nova condição de fiel despachante dos grandes projetos do PAC. O ministro Minc teve mais uma oportunidade para confirmar seu papel de destravador geral do que for do interesse específico de empreiteiras, mineradoras, petrolíferas e congêneres.

As 40 condicionantes apensadas à Licença de Instalação jogam novamente para a frente o monitoramento/diagnóstico, que é a tônica do autolicenciamento das usinas pelas próprias concessionárias. Adicionalmente, impõe-se aquilo que seriam "compensações paralelas" aos efeitos colaterais das obras. O Consórcio Mesa S.A., durante o período de concessão (35 anos), terá de adotar a manutenção e o custeio da Estação Ecológica de Jaru, no interior de Rondônia, e do Parque Nacional do Mapinguari, no sul do Amazonas, junto com a Eletrobrás (LI/2.43). Essas medidas seriam a sinalização de uma mea-culpa, na verdade uma confissão e meia do que representa o início dessa construção em termos de especulação fundiária nas margens do rio, de adensamento do arco de fogo e de expansão desordenada da fronteira agrícola sobre as florestas remanescentes e os territórios das populações tradicionais.

A condicionante referente ao programa de conservação de peixes (LI/2.17) propõe somente agora a realização de amostragem do ictioplâncton, conjunto de larvas e ovos de peixes, das cabeceiras do rio até Humaitá e, em seguida, a medição da contribuição da Bacia do Madeira em relação à Bacia Amazônica. O que deveria ser exigência e requisito prévio se converte em pedido de registro do desastre em curso. Para suavizar a hipótese, é solicitada ao consórcio a apresentação de proposta de um segundo sistema de transposição de peixes (STP), na margem direita do rio (LI/2.20). Duplica-se, assim, a insanável impropriedade de um mecanismo projetado sem estudos exaustivos acerca dos peixes migradores do Madeira, de seu ciclo reprodutivo, de sua dinâmica temporal-espacial na bacia.

Igualmente crucial seria a avaliação anterior da qualidade da água e riscos de sua contaminação com a construção de uma usina cerca de 7km do centro da cidade de Porto Velho. Para a melhoria do sistema de saneamento de Porto Velho, hoje praticamente inexistente, prevêem-se investimentos do consórcio de até R$ 33 milhões (LI/2.44). Pode-se dizer que essa obrigação resulta da aplicação do princípio poluidor/pagador, em que se taxa o lucro obtido com atividades poluentes. Torna-se moeda de troca para o consórcio aquilo que o governo do estado e a prefeitura nunca priorizaram.

A condicionante referente ao programa de remanejamento da população (LI/2.27) requer que se insira no processo de negociação do deslocamento de pessoas um caderno de preços regional e o monitoramento da reinserção social e recomposição da qualidade de vida. Assim como os demais programas constantes no Projeto Básico Ambiental, elenca-se aqui um conjunto de boas intenções subscritas pelos empreendedores. Na prática, o Consórcio Mesa, antes mesmo da emissão da Licença de Instalação, já iniciou os trâmites de retirada da população ribeirinha da área do canteiro de obras, sem observar qualquer proporcionalidade nas negociações.

A frágil engenharia do projeto precisou contar com a cobertura de uma pesada engenharia política para ser aprovada. Licenciamento self-service, móvel, autolicenciamento são conceituações que espelham bem a forma como esse projeto foi e está sendo entronizado. A oferta do Rio Madeira em banquete oligopolista é que permitiu à Suez, que controla o Consórcio Energia Sustentável do Brasil, vencer o leilão de Jirau com uma proposta de tarifa que trazia embutida a mudança de localização do eixo de barramento. O Consórcio Madeira Energia, controlado pela Odebrecht, agora reclama da mesma liberalidade que beneficiou o outro desde o início. O governo, o instituidor do boca-livre com o bem público que é o Rio Madeira, pediu "civilidade" aos comensais. Ameaça hipotética de (re)estatização para que se calcule bem o quanto vale a privatização do maior afluente do Rio Amazonas.

CB, 25/08/2008, Opinião, p. 13
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