Vale compra área gigante para construção de um novo porto no Pará

OESP, Negócios, p. B12 - 05/02/2011
Vale compra área gigante para construção de um novo porto no Pará
Projeto do Porto do Espadarte encurtaria em 400 km a distância entre Carajás e o terminal de exportação atual, localizado no Maranhão; para sair do papel, porém, projeto terá de superar vários entraves logísticos e, principalmente, ambientais

Carlos Mendes

A Vale comprou uma área de 3 mil hectares para a construção do Porto do Espadarte, em Curuçá (PA). O projeto encurtaria em 400 km a distância entre as minas de Carajás e os navios de exportação - hoje, o escoamento da Vale é feito principalmente por Itaqui (MA).
Ao arrematar por apenas R$ 10 milhões a área que pertencia à RDP Empreendimentos, do holandês Hendrik van Scherpenzeel, a Vale desbancou concorrentes como o empresário Eike Batista e multinacionais chinesas e americanas.
Tanto interesse tem razão de ser: além de estar próxima a grandes concentrações de minério, estudos sobre a região mostram que ela seria ideal para receber navios com capacidade para carregar até 500 mil toneladas, que exigem um calado (profundidade) maior na área de atracagem. Apesar da vantagem competitiva, o empreendimento enfrenta a resistência de entidades ambientais e sociais - o Ministério Público Federal já abriu investigação para apurar os impactos do projeto (leia mais abaixo).
De acordo com Mauro Neves, diretor de planejamento da Vale, o Porto do Espadarte ainda não pode ser considerado um projeto da empresa - por enquanto, diz o executivo, trata-se de uma "oportunidade estratégica" em estudo. O período de projetos preliminares de engenharia e de viabilidade ambiental deve durar pelo menos um ano. Passada essa fase, segundo Neves, é pouco provável que a construção seja iniciada antes de 2015.
De qualquer forma, Espadarte seria uma das poucas alternativas viáveis para a mineradora expandir a logística portuária no Pará. O porto de Vila do Conde, em Barcarena, a 37 km de Belém, não tem condições de absorver a produção da Vale, pois está comprometido com a demanda da hidrovia do Tocantins, inaugurada em dezembro, que prevê um volume de 70 milhões de toneladas de carga por ano.
Capacidade. Por isso, o executivo da mineradora ressalta que o projeto de Curuçá não substituirá Itaqui - virá posteriormente, para se somar à capacidade total de escoamento da mineradora. Segundo Neves, embora nenhuma decisão definitiva sobre o porto tenha sido tomada, a empresa já antecipa que os investimentos irão além do trabalho de engenharia. Para fazer a ligação ferroviária entre as minas e Curuçá seria necessário construir um ramal ferroviário de 300 a 400 km de extensão, a partir da Estrada de Ferro de Carajás, afirma o executivo.
Neves diz que o Porto do Espadarte não entra nos planos de escoamento da Vale para os próximos cinco anos porque os investimentos feitos no terminal da Ponta do Madeira, no Maranhão, já contemplam a expansão da produção de Carajás até 2015, quando a capacidade deverá estar em 230 milhões de toneladas por ano. Os investimentos do grupo em logística devem atingir US$ 5 bilhões neste ano, dos quais US$ 1,2 bilhão serão destinados ao terminal maranhense.
A área comprada pela Vale se espalha por quatro ilhas: Ipomonga, Areuá, Marinteua e Romana. O diretor de planejamento da mineradora afirma que, embora não tenha notícia de projeto semelhante no Brasil, os estudos que a companhia já dispõe apontam que o local não exigiria um projeto de engenharia muito distante dos que a mineradora já desenvolveu.
Segundo a cópia da escritura de compra e venda das ilhas obtida pelo Estado, a área é constituída de terrenos de marinha, pertencentes à União. A RDP detinha direitos de ocupação e posse das terras registradas na Delegacia do Serviço de Patrimônio da União, em Belém. A mineradora diz que o órgão registrou a transferência de posse em 25 de novembro do ano passado. "A Vale não fez nada que não esteja dentro dos trâmites legais. Por enquanto, trata-se de uma aquisição fiduciária, e não de um projeto da mineradora", diz Neves. / COLABOROU FERNANDO SCHELLER


Porto afetaria atividade de pesca e manguezais
Entidades ambientais e o MPF dizem que a construção do terminal terá efeito na subsistência de comunidades locais

Carlos Mendes

O projeto do Porto do Espadarte, na pequena Curuçá, município paraense de 30 mil habitantes, poderia afetar comunidades pesqueiras localizadas na maior área de manguezais contíguos do planeta. Entidades que advogam a preservação da biodiversidade e o Ministério Público Federal (MPF) questionam o impacto que o terminal poderá ter sobre a reserva extrativista Mãe Grande de Curuçá, que abrange as quatro ilhas compradas pela companhia.
Segundo apurou o Estado, a região de preservação abrange uma área de 35 mil hectares onde vivem 32 mil pescadores, espalhados em 52 comunidades. O procurador da República Felício Pontes Junior disse que o Ministério Público Federal (MPF) abrirá investigação, pedindo aos órgãos públicos informações detalhadas sobre o caso. "O que ela (a Vale) pretende fazer deve estar de acordo com o plano de utilização da reserva extrativista", afirmou.
De acordo com o gerente regional da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) do Pará, Lélio Costa da Silva, a União não vendeu terrenos para a mineradora - apenas lavrou "um ato administrativo perfeito", operação que classificou como "dentro da legalidade". Perguntado se a secretaria poderia emitir direito de uso a uma empresa em uma área onde já existe uma reserva extrativista, ele respondeu que as ilhas envolvidas na transação têm "ocupação prévia antes da criação da reserva", em 2002.
Segundo a presidente da Associação dos Usuários Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá (Auremag), Sandra Regina Gonçalves, as comunidades da reserva estão aflitas com o possível impacto do projeto do porto para as comunidades da região. "Ninguém é contra o progresso, mas é preciso explicar claramente o que representa essa compra das ilhas pela Vale", diz ela, lembrando que o peixe, o camarão e o caranguejo são as principais fontes de renda das famílias que vivem na reserva.
Para Sandra Regina, o fato é preocupante porque revela uma postura "arrogante" da Vale, que estaria tentando "impor de cima para baixo" a construção do porto sem sequer discutir a questão com as comunidades. A representante disse que ninguém do conselho deliberativo da reserva Mãe Grande de Curuçá foi procurado pela mineradora, embora os comentários na cidade sejam de que a empresa acena com a perspectiva de desenvolvimento nunca visto na região.
Trabalho conjunto. De acordo com o diretor de planejamento da Vale, Mauro Neves, a empresa ainda não realizou os projetos de impacto ambiental e social do Porto do Espadarte, uma vez que deteve os direitos sobre a área somente há pouco mais de dois meses. O executivo disse que a companhia comprou o terreno de maneira juridicamente correta e que qualquer posição anterior sobre o tema não deve ser creditada à mineradora. "Queremos que o projeto traga geração de valor para a comunidade depois dos estudos de impacto ambiental e social."

OESP, 05/02/2011, Negócios, p. B12

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Mineração:Empresas

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