Na atualidade, para resgatar algo da natureza para as gerações futuras, não são suficientes os argumentos éticos ou estéticos. Hoje até é necessário demonstrar que cuidar das mais belas paisagens naturais tem valor de mercado e que para investir em manter serviços vitais, como os que brindam a água ou o ar, previamente há que provar que fazê-lo é economicamente rentável. Se não se aportam provas que sejam aceitáveis para os todo-poderosos e insensíveis deuses da economia liberal, as paisagens serão extintas e os humanos poderão morrer. É ridículo e imoral, mas, é assim. Por isso, nesta nota se pretende demonstrar que a natureza contida nas áreas naturais protegidas têm muito valor para aumentar o potencial econômico das regiões que já são o que podem vir a serem pólos turísticos. Quiçá assim, só assim, os nossos netos vejam um pouco do que nos tivemos a sorte de ver.
Em muitos lugares do Brasil ou da América Latina existem atrativos turísticos já transformados em produtos que atraem um fluxo turístico razoável. Bonito e seus arredores (no Mato Grosso do Sul) é um bom exemplo deste fato e, por isso, será mencionado com frequência neste artigo. Nesses lugares existem muitos outros atrativos subutilizados ou mal utilizados que se aproveitados poderiam aumentar muito a rentabilidade econômica do turismo na região, sem prejudicar e até complementando os produtos já desenvolvidos. Grande parte destes e os melhores estão nas áreas naturais protegidas, ou seja, nas unidades de conservação (UCs) federais ou estaduais. Nelas, lamentavelmente, se confronta o seu abandono pelo poder público, a dificuldade de acessá-las por aplicação errada de princípios e regras e, também, por atitudes institucionais que dificultam seu aproveitamento e que, por isso mesmo, as põem em risco.
Nesta nota se discute a viabilidade e os benefícios do aproveitamento desses atrativos naturais não utilizados ou subutilizados e a forma na que eles podem contribuir ao desenvolvimento do turismo na região onde se localizam e, se mencionam algumas medidas para poder aproveitá-los.
Demanda por visitação a unidades de conservação
A maioria das atividades de ecoturismo é desenvolvida nas diversas categorias de UCs, mas, principalmente nos parques nacionais. Os valores de uso público destas áreas são impressionantes e crescentes. Nos EUA as pessoas que desenvolvem atividades em áreas protegidas de todas as classes gastam muito ao redor de 150 bilhões de dólares a cada ano. A maioria deles realizou suas atividades em 385 unidades administradas pelo US National Parks Service que em 2002 recebeu 421 milhões de visitantes, justificando um orçamento que ultrapassou 2.600 milhões de dólares em 2003. A isso devem ser adicionadas as visitas aos parques estaduais e florestas nacionais e estaduais. Grande parte de esses visitantes aos parques dos EUA são também candidatos a visitar UCs em outros países, especialmente nos da América Latina.
Deve se considerar ademais que o ecoturismo é o segmento mais dinâmico do turismo, crescendo entre 10 e 30% a cada ano, ou seja, muito mais alto que o turismo em geral que cresce entre 2 e 4% por ano. Isso não é difícil de compreender quando se sabe que apenas nos EUA existem, por exemplo, 55 milhões de observadores de aves que a cada ano gastam mais de 20 bilhões de dólares. Muitos deles e de outros países desenvolvidos vem a América do Sul que é o continente com a maior diversidade de aves.
Na América Latina estes números colossais não são alcançados. Os sistemas de parques mais visitados na região recebem apenas uma pequena fração das visitas recebidas pelos dos EUA ou do Canadá. Costa Rica, por exemplo, apesar de ser o país que melhor aproveita suas áreas naturais, não tem ultrapassado o primeiro milhão de visitantes por ano, mas isso é quase o mesmo que oficialmente recebiam no mesmo período (2002) sistemas comparativamente grandes como os do Brasil (1,3 milhões), Argentina (1,2 milhões) e Chile (um milhão). Ou seja que os parques da América Latina recebem muito menos visitantes que pagam menos inclusive que os da África.
Além disso, as visitas aos parques na América do Sul estão concentradas em poucos deles. No Brasil, por exemplo, a maioria das visitas é concentrada em Iguaçu (750.000 visitantes por ano), Tijuca (onde o ingresso é livre), Itatiaia e Fernando de Noronha, entre outros poucos. No Peru, em 2005 se registraram 354.000 visitantes nas áreas protegidas, sendo Huascarán (107.000), Machu Picchu (74.000) e Paracas (62.000) as mais visitadas. Na América Latina a maioria dos visitantes não paga para entrar nos parques e, se pagam, é muito pouco e muitas vezes nem sequer são registrados. Para ilustrar este ponto, menciona-se o caso da Estação Ecológica Juréia-Itatins (São Paulo) que em 2001 recebeu oficialmente 7.393 visitantes que não pagaram e outros 94.500 visitantes, que por razões legais nem sequer foram registrados. Note- se, por exemplo, que existem no Brasil mais de 500 mil pessoas a cada ano que fez pelo menos quatro viagens identificáveis como de ecoturismo, o que significa, essencialmente, umas 2 milhões de visitas a áreas protegidas. Ou seja, na verdade, o número de visitantes em áreas protegidas da América Latina e no Brasil é provavelmente superior ao oficialmente reconhecido. Confirmando esta suspeita recentemente o ICMBio, que mudou sua forma de contabilizar visitantes, anuncia ter recebido 3,8 milhões de visitantes em 2009. Ainda assim é um sistema muito sub-utilizado.
O fato é que poucos visitantes das UCs pagam e que o preço dos ingressos é muito baixo na maioria dos países da região. Não obstante, estudos sobre a "vontade de pagar" dos visitantes de áreas protegidas da América Latina mostram que os preços atuais dos bilhetes são baixos tanto para os visitantes nacionais como os internacionais e até mesmo para os locais. Por exemplo, uma extensa pesquisa em Machu Picchu (Peru) revelou que 66% dos turistas peruanos estão dispostos, em média, a pagar US$ 26 por bilhete, em vez do preço atual de US$10 e; que 91% dos turistas estrangeiros estão dispostos a pagar US$47. Outro resultado interessante é que uma grande maioria tanto de visitantes estrangeiros como nacionais consideram que é justo que os preços a pagar sejam mais baratos para os locais. Um trabalho semelhante na Mata Atlântica do Brasil revelou que a vontade de pagar de visitantes em áreas protegidas, varia de US$22 em reservas florestais até US$88 em parques bem equipados. Existem vários outros trabalhos que confirmam essa informação em muitos parques em vários países e que até demonstram que a elevação do preço do ingresso dos parques não afeta a demanda, que continua a crescer.
Em conclusão, os dados citados mostram que não há dúvida de que existe demanda e que, dada a vontade a pagar demonstrada, os investimentos relativamente modestos que se requerem para receber visitantes em áreas protegidas ou em torno delas terão um retorno econômico significativo para a própria área, para a região e o país.
Vantagens que as unidades de conservação oferecem para o turismo regional
As UCs, por definição, reúnem o que há de mais bonito ou espetacular (paisagens, cachoeiras, florestas), de mais interessante ou raro (animais e plantas endêmicas ou em extinção) e, também, o que tem de mais importante em termos culturais. Ou seja, as UCs são de fato os melhores atrativos turísticos que uma região pode oferecer ao turismo local, nacional ou internacional. Devido a falta de investimentos nas UCs e a modalidades inadequadas de gerenciamento, muitas delas ainda não são o que pode se qualificar de produto turístico. As regiões que são turísticas já possuem atrativos transformados em produtos turísticos, como no caso de Bonito onde diversos empreendedores visionários aproveitaram a beleza inédita de seus rios de águas cristalinas repletos de peixes e outras espécies. Ainda assim, Bonito desperdiça o potencial muito grande do Parque Nacional da Serra da Bodoquena que, se aproveitado, alongaria em um ou dois dias a permanecia dos turistas e brindaria múltiplas oportunidades de negócios adicionais.
Mas, na realidade, o apoio das UCs ao turismo e a região não se limita aos produtos turísticos per se. O turismo, como é evidente, alem de atrativos, requer água limpa, energia, ar puro, riscos ambientais mínimos, etc. e, todo isso é o que uma UC bem administrada oferece aos seus vizinhos.
Sem embargo, o prestigioso jornal "Gazeta Mercantil" de São Paulo publicou em 1996 um artigo bombástico: "Parques nacionais dão prejuízo", cujo subtítulo era "De 35 parques nacionais do IBAMA, apenas Iguaçu apresentou lucro em 1995". O autor explicava que o Parque do Iguaçu teve um "excedente" de 563 mil reais, comparando as despesas com as receitas, enquanto todos os outros parques "tiveram perdas". Para estimar a renda foram registradas, somente, as entradas, as taxas de concessão e a venda de souvenirs. Não levou em conta o efeito multiplicador das visitas nem pensou nos serviços ambientais ou outros valores. Muito menos estava consciente de que um parque nacional é um museu natural e que, pelo tanto, não necessariamente deve ser "rentável", como não o são, tampouco, a maioria dos museus no mundo. Mas, ninguém, nem aquele desastrado jornalista, têm declarado que não eram rentáveis, nem pretenderam fechar os museus e descartar suas obras de arte.
O efeito multiplicador das visitas nas áreas protegidas de EUA na economia local é enorme segundo estimações obtidas pelo modelo participativo MGM (Money Generation Model) desenvolvido pelo US National Parks Service que, no ano fiscal de 2005 y sobre a base de 272,6 milhões de visitantes para recreação, gerou num radio de 50 km ao redor dos parques, gastos por um valor de US$11,9 bilhões mantendo 246,400 postos de trabalho (incluindo os funcionários dos parques), cujos salários alcançaram US$5,6 bilhões. Iguaçu, com seus mais de 750.000 visitantes por ano possivelmente gera vários bilhões de dólares por ano para a região. Com efeito, a cidade de Foz de Iguaçu ao igual que outras localidades e numerosas empresas, incluindo companhias aéreas, dependem principalmente do turismo motivado pelo Parque.
Subutilização e mal utilização de unidades de conservação
Apesar das cifras acima mencionadas que demonstram a importância das UCs para estimular o turismo, existem inúmeros casos nas que estas não são aproveitadas. Bonito é um bom estudo de caso já que não utiliza o Parque Nacional da Serra da Bodoquena e, pior ainda, alguns dos que se dedicam ao negocio do turismo acham que sua apertura a visitação e uso poderia ser uma competição desleal para os seus negócios. Isso é um erro por múltiplas razoes, das que destacam: (i) os atrativos da Serra da Bodoquena não competem todos, nem diretamente, com os outros que se oferecem na região; (ii) a capacidade de carga de visitantes no Parque é potencialmente grande, permitindo uma diversidade de atividades recreativas e inúmeras opções de novos negócios turísticos; (iii) a permanência dos visitantes convencionais na região poderia ser prolongada pelo menos por um dia adicional, aumentando a ocupação dos leitos e possibilitando o crescimento da hotelaria. Ou seja, na realidade, o risco de prejuízo para poucos é reduzido e o beneficio para muitos é garantido.
Alem de turismo de massa (os visitantes que apenas vão a um par de locais no mesmo dia o tour) podem se desenvolver outras formas de visitação: (i) de elite (os dispostos a pagar muito mais por visitas exclusivas), (ii) de interesse especial (por exemplo, os bird-watchers, insect-watchers ou os que gostam de orquídeas), (iii) de interesse geral (amantes da natureza, dispostos a ver mais), (iv) mochileiros "plus" (aqueles que sendo mochileiros dispõem de tempo e dinheiro), (v) mochileiros e (vi) exploradores (indivíduos solitários ou em grupos pequenos, dispostos a aventura. Nesses casos a permanência na região e o lucro possível se incrementa muito.
Bonito não é único lugar do Centro Oeste, do Brasil ou da América Latina onde isso ocorre. Tem casos mais graves que outros. Pirenópolis (Goias) tem muitos atrativos e produtos turísticos naturais e culturais que lhe asseguram uma visitação importante. Mas, apesar de isso muitos turistas não voltam, pois, após duas ou três visitas, nada novo fica por descobrir. Não obstante, a pouca distancia da cidade de Pirenópolis existem duas áreas naturais espetaculares e praticamente sem aproveitamento: o Monumento Natural Municipal Cidade de Pedra e o Parque Estadual da Serra dos Pirineus. Visitas por turistas convencionais a ambos locais poderiam implicar, sem competir com outras áreas naturais já desenvolvidas como a Reserva Particular de Patrimônio Natural Vagafogo, um mínimo de dois dias a mais de permanência na região ou a reiteração das visitas a cidade de Pirenópolis. Outras modalidades de visitação como as acima citadas teriam um potencial enorme em essas duas UCs, especialmente na primeira. Uma situação similar, sempre no Centro Oeste, se da em Caldas Novas (Goiás), onde o Parque Estadual da Serra de Caldas Novas não figura como atrativo para essa região e porque está, também, praticamente fechado a visitação, apesar de ter uma excelente infra-estrutura. Os exemplos se multiplicam em outras regiões do Brasil, como na costa baiana, onde o turismo desperdiça a oportunidade que oferecem os parques nacionais e estaduais vizinhos das praias como Monte Pascoal, Descobrimento, Serra do Condurú, etc. Muito turista, especialmente os internacionais, gostaria de desfrutar da mata e da observação de aves como complemento do desfrute do sol e das praias. A mais atrativos maior permanência, maior gasto na região e mais desenvolvimento.
O caso de má utilização de uma UC mais escandaloso no Brasil é o do famoso Parque Nacional de Iguaçu. Verdade é que seu produto mais importante, ou mais popular, é a visão das cataratas, desde as passarelas ou desde as embarcações que se acercam a elas pelo rio. Mas, na verdade, o outro atrativo quase tão importante como as quedas é esse Parque ser o único remanescente importante de floresta subtropical de todo o sul do Brasil e do norte da Argentina. Trata-se de uma floresta tão espetacular como as mesmas cataratas, com espécies raras e belíssimas, pelas que turistas (não os de massa) de todo o mundo pagariam por ver. Os turistas não massivos são os que mais gastam e é absurdo não brindar as condições para que o potencial econômico que representam seja desperdiçado. Mas, outra vez, esse Parque está fechado para os visitantes que não sejam a massa convencional. Casos assim se repetem em todas as partes do Brasil, até em Brasília, onde o único que se conhece do Parque Nacional de Brasília é a piscina de água mal chamada de "água mineral". Os turistas estrangeiros que chegam a essa cidade ficam frustrados quando, pensando no que viram em Nairóbi, no Quênia, e acreditam que no de Brasilia vão a ver natureza. Não existe nenhuma trilha para categorias de visitante que não sejam os de massa, os que vão à piscina ou a única, curta e insuficiente trilha na mata ciliar perto da sede.
Porque as unidades de conservação brasileiras não atraem mais visitantes?
Porque os parques dos EUA recebem mais de 400 milhões de visitantes a cada ano e os do Brasil nem alcançam a 4 milhões, ou seja, 100 vezes menos? São as UCs norte-americanas mais numerosas, maiores ou mais atraentes do que as do Brasil? A resposta a primeira pergunta é simples: As UCs do Brasil e da América latina em geral não estão preparadas para receber adequadamente aos visitantes. Muitas delas nem sequer estão abertas para as visitas. A resposta considerando numero, tamanhos e atrativos, é que os parques do Brasil ou os da América Latina apresentam atrações naturais igualmente belas, porem são muito superiores em quanto a diversidade biológica e riqueza cultural.
O que faz a diferença em favor dos EUA é que, considerando as facilidades para a visita, os parques norte-americanos são, definitivamente, muito mais atraentes que os do Brasil e os da América Latina. Eles receberam investimentos substanciais do governo para receber bem aos visitantes, criando condições para o desenvolvimento de empresas privadas ligadas ao turismo. Pelo contrário, na América Latina a maioria dos parques da região não recebeu investimentos significativos e, principalmente por isso, são formal ou informalmente fechados ao uso público. Carecem de centros de visitantes, trilhas seguras, áreas de acampamentos, estacionamentos, estradas e aeroportos, heliportos e de muitos outros serviços básicos. Também são carentes de pessoal e de médios e recursos para a manutenção. Um estudo de fins dos anos 1990 revelou que o orçamento anual global médio por hectare de área protegida era de US$8,9/ha. A média nos países desenvolvidos era de US$ 20,6/ha. Nos países em desenvolvimento o orçamento para as áreas protegidas era de apenas US$0,27/ha. No Brasil, o país latino-americano que recebeu mais apoio internacional para a conservação da biodiversidade, o orçamento era de US$2,2/ha, Ou seja, cinco vezes menos do que a média mundial e 10 vezes menos do que em países desenvolvidos.
Um parque sem pessoal adequado, sem equipamento, sem infra-estruturas e, às vezes, mesmo sem acesso não pode ser aberto ao público nem pode atrair investidores privados para instalação de recursos adicionais, tais como hotéis, restaurantes, agências de viagens, serviços de guias, postos de combustível, aluguel e implementos, entre muitos outros que exigem o turismo de negócios. Em outras palavras, os sistemas de áreas protegidas na América Latina, com a honrosa e relativa exceção da Argentina e da Costa Rica e de alguns parques isolados em poucos outros países não estão cumprindo as funções para as que foram estabelecidos no referente ao estimulo do desenvolvimento econômico local.
O que fazer para que as unidades de conservação do Brasil sirvam realmente ao desenvolvimento do turismo regional?
As unidades de conservação são, pelo momento, o que poderia se qualificar de "atrativos turísticos naturais em bruto". Para seu aproveitamento devem ser transformados em produtos turísticos. Isso, como bem se sabe, implica investimentos fora e dentro das UCs. Fora das UCs o setor público deveria investir em acessos razoáveis, boa sinalização e disponibilização de informação atrativa sobre elas. Dentro delas é preciso implantá-las, ou seja, construir todo o que assegura que os visitantes vão a poder desfrutar do que a UC oferece. Isso inclui portões de ingresso, postos de controle, centro de visitantes com museu de sitio e facilidades para palestras, sítios de piquenique sítios para acampamento, desenvolvimento de trilhas, construção de parapeitos e mirantes, sinalização, etc. Todo isso pressupõe a existência e aplicação de um plano de manejo que ademais deve incluir todo o referente ao manejo e manutenção da área, em especial pessoal adequado em numero suficiente e equipamento. Esses investimentos, em principio, também correspondem ao poder público, neste caso o ICMBio ao nível federal e as secretarias de meio ambiente ao nível local.
Mas, como têm sido reiterados até o cansaço, com poucas e muito parciais exceções, os governos não cumprem suas obrigações e não fazem nada ou quase nada para transformar os tesouros naturais que supostamente protegem em produtos aproveitáveis para o turismo regional. Por isso, corresponde a sociedade exigir ou demandar um cambio de atitude dos governos que, pelo demais, tem sido sinalado pela sociedade, a través das reservas naturais particulares, conhecidas no Brasil como reservas particulares de patrimônio natural (RPPNs).
Com efeito, o melhor caminho para defender as UCs é seu desenvolvimento para a visitação, sem prejuízo da sua principal tarefa que é a conservação da natureza. O bom caminho na região, como dito, foi traçado pelo setor privado, com o sucesso de muitas reservas de natureza privada ou santuários, como Monteverde, na Costa Rica ou Vagafogo, no Brasil. Esses casos, dentre outros, têm demonstrado que os proprietários podem pagar as suas despesas e até mesmo obter lucro, apenas com os visitantes. O caso da Vagafogo (Pirenópolis, Goiás), um santuário natural de tão só 17 há localizado a 140 km de Brasília e sem atrativos especiais, é particularmente demonstrativo, uma vez que recebe cerca de 10 mil visitantes por ano e proporciona aos proprietários uns 21.000 dólares por ano apenas com as entradas ao que soma outros serviços e a venda de produtos. A renda é, obviamente, proporcional à qualidade do espaço e a sua gestão. Vagafogo compensa sua falta de atrativos naturais com uma administração eficiente e inteligente.
De fato, as melhores UCs do Brasil, capazes de competir com qualquer UC pública do mundo desenvolvido, são privadas: as RPPNs SESC Pantanal (do SESC Nacional) e Salto Morato (da Fundação O Boticário de Conservação a Natureza). Especialmente na primeira existem todas as facilidades mencionadas na listagem do que se precisa para transformar uma UC em produto turístico, ao que nessa reserva deve se somar pista de aterrissagem, vários campos de pouso, porto, postos e torres de controle de incêndios, pesquisa científica avançada, programas sociais para as comunidades locais, etc.
Como transformar as UCs públicas em bons negócios turísticos? O Canadá providencia um ótimo exemplo de como se fazer. Os 278 parques da Província do Ontário (7,1 milhões de hectares) e que recebem 10 milhões de visitantes por ano, afetados por restrições orçamentárias que dificultavam seu aproveitamento turístico, foram legalmente transferidos em 1996 ao Ontario Parks, uma empresa pública a ser manejada sob-base comercial com plena autoridade para reinvestir todos os ingressos dos parques e para fechar negócios com o setor privado que, respeitando os planos de manejo, melhorem os serviços aos visitantes. Foram aprimorados ou estabelecidos milhares de sítios para piquenique e acampamentos, dentre outras melhorias. Em 2001 o governo provincial já tinha diminuído seu aporte anual ao sistema de US$8.5 milhões a US$6,1 milhões, mas, o gasto anual nos parques nesse ano passou de US$11,6 milhões a US$48,5 milhões. Os ingressos nos parques que antes cobriam apenas o 56% do custo de operação anual cobrem agora mais dos 80%. Dito de outro modo, um grande negócio para o governo, para os parques e, especialmente, para os visitantes.
Porque não tentar esse esquema ou outro semelhante pelo menos com os parques estaduais? E porque não com alguns dos nacionais? Para isso deve haver pressão sobre os políticos por parte da sociedade local, especialmente dos empresários interessados, idealmente com a cumplicidade da administração das UCs, pois, a proposta deve ser técnica e economicamente balanceada. Em especial, a transformação das UCs em produtos turísticos e em bons negócios não pode afetar negativamente a sua função primordial de conservação do patrimônio natural da nação. Mas, isso é perfeitamente fatível como bem demonstrado nas RPPNs mencionadas e em inúmeros parques ao redor do planeta.
Uma ferramenta essencial para alcançar esse objetivo e também outros menos ambiciosos embora também importantes, já está disponível. Trata-se dos conselhos consultivos (artículo 29 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação-SNUC) que são absurdamente desaproveitados pelas sociedades locais. Através desses conselhos os empresários de turismo podem argumentar e até demandar a apertura de trilhas novas, o melhoramento de outras, novos horários de atenção ao publico, uso de cavalos para visitação, construção de sítios de piquenique e de acampamento, etc., etc. que, em geral, já estão contemplados o plano de manejo. Podem aportar apoio financeiro ou de pessoal e maquinaria em retribuição por maior espaço para as suas iniciativas lícitas. Os conselhos são espaços de negociação da sociedade local com a autoridade da UC, sempre dentro da lei e do plano de manejo, embora este último não seja inamovível se contem empecilhos burocráticos e que não afetam a tarefa de proteger a natureza.
Outra ferramenta também disponível é o artigo 30 da mencionada Lei do SNUC, que estabelece que as UCs possam ser geridas por entidades da sociedade civil de interesse publico. Nada impede, por exemplo, aos empresários turísticos de Bonito formar uma dessas entidades e solicitar a gerencia do Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Deverão cumprir alguns requisitos, é claro, ou se associar com uma organização não governamental pré-existente e com experiência. Mas, isso é perfeitamente viável.
Em conclusão, as UCs da América Latina são ainda um recurso desperdiçado que, com um pouco de boa vontade, pode-se transformar numa fonte principal de desenvolvimento econômico regional, sem mingua nem risco para os seus aportes a sociedade na forma de serviços ambientais e de conservação da biodiversidade.
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