CB, Cidades, p. 23 - 17/09/2004
Ameaça ao Parque Nacional
Na esperança de ganhar um lote após a regularização da Estrutural, invasores parcelam um setor de chácaras ao lado da reserva. Gerente do Ibama garante que não vai permitir permanência dos moradores
Aline Fonseca
Da equipe do Correio
A notícia da regularização da invasão da Estrutural provocou uma corrida ao lugar. Na esperança de conseguir um terreno, moradores iniciaram um parcelamento discreto em um setor de chácaras, ao lado do Parque Nacional de Brasília. A Gerência-Executiva do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama-DF) quer providências do Governo do Distrito Federal (GDF) para evitar que a invasão chegue à área do parque. E promete pedir ajuda até à Presidência da República, se for preciso.
Depois de quase 30 anos de tentativas de retirada dos moradores, a invasão da Estrutural se transformou, para especialistas e governo, em fato consumado. Nos últimos meses, porém, iniciou-se uma invasão dentro da invasão. Algumas barracas estão a 50 metros do Parque Nacional, com postes de luz primeiro sinal de parcelamento.
O parque não será invadido, estamos em vias de convocar o governo federal para fazer alguma coisa. Nem que precise chamar o Exército, essas pessoas não ficarão, ameaça o gerente-executivo do Ibama, Francisco Palhares. No início da semana, ele esteve na região e ficou impressionado com o crescimento da invasão. A população existente já não é compatível com a área e, mesmo assim, está havendo uma ocupação de novas áreas.
Os chacareiros dizem que a chegada de novos vizinhos é visível. Isso aqui está enchendo, muita gente até começou a colocar as chácaras à venda, conta uma moradora, que preferiu não se identificar. Tem casas novas, muita gente precisando de moradia e com esperança de ganhar um lote. A área deveria acomodar 24 chácaras, mas o número de famílias cresce a cada dia. Alguns dos chacareiros moram no local há mais de 15 anos, porém a situação fundiária nunca foi resolvida.
A maioria dos moradores prefere não falar sobre o parcelamento. Nunca ouvi falar de chegada de novas pessoas aqui, afirma Francisco de Assis, 37 anos, morador há oito anos em uma chácara no Setor Santa Luzia. Mas nessa história de regularização, quero ver se fico. Se não ficar, acho que vão dar uma área para nós, acredita. Na propriedade de quase um hectare, Francisco planta milho e feijão na época da chuva. Na seca, cria porcos e galinhas para vender. Do parque, ele sabe pouco. Sei que faz divisa aqui, mas não sei porque é tão importante, conta.
A preocupação do Ibama é com o Parque Nacional. O impacto do Lixão e da invasão sobre a unidade de conservação é grande. Estudos de universidades comprovaram que o chorume do aterro afeta, por meio de lençóis freáticos, alguns córregos que nascem no parque área onde está localizada a barragem Santa Maria/Torto, responsável por 30% do abastecimento de água do DF. Todo processo de adensamento é ruim para o parque e nessas condições não é aceitável. É preciso que as autoridades do DF tomem uma atitude o mais rápido possível, reclama o diretor do Parque Nacional, Elmo Monteiro.
O Governo do Distrito Federal, por sua vez, reclama da demora na liberação do licenciamento ambiental da Estrutural pelo Ibama. É exatamente para agir melhor na Estrutural e evitar essas invasões que precisamos de agilidade no processo. Mas o governo tem coibido a ocupação no lugar, garante o porta-voz do GDF, Paulo Fona.
Gente demais
De acordo com o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental da Estrutural (Eia/Rima), entregue pelo GDF ao Ibama em abril deste ano, há gente demais. A proximidade do Parque Nacional não comporta os atuais 25 mil habitantes nos 144 hectares da invasão. O estudo propõe a desconstituição de duas das 17 quadras, onde moram cerca de duas mil famílias: a que está em cima do poliduto (de frente para a DF-095) e a que fica colada ao Lixão, construída sobre aterro de resíduos, terreno que era do aterro.
O licenciamento da Estrutural será para um número limitado de pessoas. Vários lotes vão ser desconstituídos justamente para garantir uma melhor qualidade de vida para os moradores, explica o diretor da Floresta Nacional, Guilherme de Almeida, que também participa do estudo de licenciamento da Estrutural.
Conflitos de terra
A nova delimitação do Parque Nacional de Brasília deverá render conflitos de terras. Cerca de mil famílias, moradoras do Núcleo Rural Boa Esperança (ao lado do Colorado), querem ficar em área definida como do parque. A previsão é de que ainda este mês o presidente da República publique uma medida provisória ampliando em 16 mil hectares a unidade de conservação
Oficialmente, o núcleo rural está dentro do Parque Nacional desde 1961, quando um decreto presidencial criou a unidade de conservação de 30 mil hectares. Mas a cerca do parque está a dois quilômetros do Boa Esperança.
No local, existem 118 chácaras em uma área de aproximadamente mil hectares. A região tem configuração fundiária problemática. Na época da desapropriação, alguns proprietários não foram indenizados pelo governo e a área começou a ser ocupada por terceiros. Lá, as famílias já contam com energia elétrica e água da Caesb.
Ninguém tem a titularidade das terras. A maioria, entretanto, paga há pelo menos 30 anos o Imposto Territorial sobre Áreas Rurais (ITR). O que temos é uma sucessão dominial. Aqui moram pessoas desde 1955. Tem todo tipo de classe social, afirma o presidente da Associação de Moradores do Boa Esperança, Samir Dias, 51 anos.
A Superintendência Executiva do Ibama-DF diz que a área é da União, porque faz parte do Parque Nacional. Mas em algumas chácaras, a Terracap reclama a propriedade. O problema todo está na cerca do parque. Em 1966, uma assembléia da Novacap decidiu que a cerca ficaria onde está hoje, a dois quilômetros de distância da BR-020, deixando espaço para a ocupação do núcleo rural.
Entenda o caso
Próximo da regularização
Para a Gerência Executiva do Ibama-DF, o governo e especialistas, a invasão da Estrutural se transformou em fato consumado. Com 25 mil pessoas, o governo quer regularizar o lugar como assentamento de baixa renda. Até o fim do ano, o Ibama-DF pode liberar a primeira licença ambiental, depois de realizar uma audiência pública. O licenciamento é o passo inicial e obrigatório por lei para a regularização fundiária.
A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) já começou o projeto de urbanização da área. A Estrutural é considerada pelo Governo do Distrito Federal (GDF) como Zona Habitacional de Interesse Social e Público (ZHISP). Parte do projeto foi apresentado no relatório de impacto ambiental e ainda não está detalhado. A idéia é que as quadras próximas ao Parque Nacional de Brasília, que faz divisa com a Estrutural, sejam destinadas para o Corpo de Bombeiros, delegacia e outros usos institucionais.
O ponto principal para modificações na Estrutural é o Lixão. Pelo estudo, o aterro será desativado, mas não há nada que diga como o terreno será recuperado depois de sair dali. Os moradores sugerem que haja ampliação da Estrutural para uma área próxima ao Núcleo Rural Cana-do-Reino.
CB, 17/09/2004, Cidades, p. 23
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