Conhecer os mistérios do oceano é privilégio que poucos desfrutam. Para a maioria, trata-se de um mundo desconhecido, que fascina pela beleza e infinidade de espécies marinhas. Outro segmento que atrai a curiosidade de mergulhadores são os naufrágios. Apesar de não estarem visíveis, eles fazem parte do patrimônio histórico da cidade e guardam importante fragmento da história local. Mesmo assim, não existe no Ceará nenhum projeto que objetive resgatar e preservar essa cultura submersa.
De acordo com o Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), existem 76 naufrágios catalogados no Ceará, sendo 12 em Fortaleza. Entretanto, ressalta Marcelo Soares, professor do Labomar e vice-coordenador do curso de Ciências Ambientais, este número deve ser bem maior, pois não existe no Estado nenhum profissional especialista em mergulho arqueológico, assim como nenhum curso de graduação em arqueologia nas universidades públicas e privadas.
Ao mesmo tempo que surge uma demanda de arqueólogos formados para atuarem em arqueologia de contrato - vertente que se consolidou com a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (001/1986), o qual obriga a elaboração de estudos arqueológicos em área sujeita à destruição por obras que causam impacto ambiental -, existe uma defasagem de profissionais nessa área no Estado.
A Universidade Federal do Ceará, por meio do Labomar, em parceria com a Universidade Federal do Piauí (UFPI) e a operadora de mergulho Mar do Ceará realiza de 23 a 28 de abril um curso de extensão em arqueologia subaquática. Soares explica que a ideia possibilitar aos profissionais que trabalham na área de mergulho a atuar como arqueólogos. "Tem regiões que ainda não foram exploradas e já estão sendo degradadas", alerta.
História destruída
Foi o que aconteceu na Praia de Iracema, onde um navio datado de 1908, naufragado ao lado da ponte velha, próximo à Ponte dos Ingleses, foi soterrado em dezembro do ano passado por toneladas de pedras para a construção de um espigão. "É a mesma coisa que derrubar um prédio histórico", compara Marcelo Soares. A intervenção faz parte do projeto da nova Praia de Iracema, da Prefeitura de Fortaleza.
A Coordenadoria de Projetos Especiais e Relações Institucionais e Internacionais (Cooperii), responsável pela obra, afirma que foram realizados todos os estudos necessários de batimetria e mergulho na área, inclusive pelo Labomar, e não foi encontrado nenhum impedimento para a construção do espigão. O órgão informa ainda que outros dois espigões estão previstos no projeto, na Rua João Cordeiro e na Avenida Rui Barbosa.
O mergulhador Marcus Davis, da operadora Mar do Ceará, que acumula mais de mil mergulhos, comenta ser uma pena um projeto que visa resgatar a memória de Fortaleza tenha esquecido de preservar a cultura submersa. "São muitos os naufrágios que jazem em nosso litoral, cada um deles, como em uma cápsula do tempo, guardam fragmentos da nossa história. Existe uma carência de profissionais nessa área e falta de incentivo do poder público e da iniciativa privada nessa vertente da arqueologia que traz pouco retorno financeiro e grande retorno histórico cultural", frisa.
Soares lamenta o soterramento do navio e disse que ninguém o tinha estudado. "Seria uma informação importante, visto que a Praia de Iracema, antes da criação do Porto do Mucuripe, funcionou durante muitos anos como o porto de Fortaleza. Infelizmente, esse patrimônio foi degradado. Agora fica o alerta para que isso não ocorra novamente".
A Universidade Federal do Ceará (UFC), por meio da assessoria de comunicação, informa que não existe nenhum projeto no sentido de criar um curso de graduação em arqueologia. Já a Secretaria de Turismo do Ceará (Setur) afirma que não trabalha nesse segmento, porque não existe demanda para promover esse tipo de turismo no Estado.
Marcélia Marques, arqueóloga e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), comenta que, tradicionalmente, a arqueologia está relacionada à duas áreas de conhecimento: história e antropologia. Ela tem como objeto principal o conhecimento da cultura material, dos vestígios arqueológicos produzidos desde a pré-história e possibilitam a aproximação e a reconstituição do que aconteceu com as sociedades desaparecidas.
No Ceará, a especialista comenta que os vestígios arqueológicos mais expressivos são as pinturas em afloramentos rochosos, a indústria lítica (artefatos em pedra lascada), vestígios cerâmicos, restos ósseos de animais e o patrimônio edificado, assim como toda a cultura material desses ambientes. Para a professora, os Estados estão percebendo que há uma demanda crescente de arqueólogos, por isso, muitos optam pela criação de cursos de graduação.
Unidade de conservação sofre ataques frequentes
O Parque Estadual Marinho Pedra da Risca do Meio é a única unidade de conservação marinha do Ceará. Criado no dia 5 de setembro de 1997, pela Lei Estadual No12.717, o parque compreende uma área de 33,20 Km² e fica distante dez milhas náuticas, cerca de 18,5 Km, do Porto do Mucuripe. A única forma de acesso é por meio de embarcações que partem do Porto Mucuripe e levam em média 50 minutos para chegar a área.
Pesca artesanal e esportiva (linha e anzol), tráfego de qualquer tipo de embarcação, coletas para fins científicos de pesquisa e mergulho autônomo com prévia autorização são as atividades permitidas no local. O problema é que, mesmo protegido por lei estadual, a unidade de conservação sofre constante processo de degradação com a pesca predatória que utiliza redes caçoeiras e compressores de ar comprimido para a captura de peixes ornamentais, lagostas e peixes de grande porte.
Além disso, são registrados constantes ataques a sítios arqueológicos, como ocorreu com o avião de patrulhamento marítimo EP-95, prefixo 7053, da Força Aérea Brasileira. A aeronave decolou da Base Aérea de Fortaleza em junho de 1985, com quatro tripulantes a bordo, mas, instantes depois, caiu nos limites do Parque Estadual.
Marcus Davis, mergulhador da operadora Mar do Ceará, conta que, durante anos, o Avião Bandeirantes, como ficou conhecido, foi um dos melhores pontos de mergulho do parque. No entanto, em 2010, ao retornar ao local após anos de inatividade de mergulho recreacional veio a novidade: não restava quase nada do avião, foram removidos a asa, o motor e o restante da estrutura foi dinamitado.
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1129565
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