FSP, Cotidiano, p. C1, C3 - 06/01/2013
Favela na Barra do Sahy 'escala' a serra do Mar
Com 3.000 moradores, antiga Vila Baiana cresce 50% só nesta temporada
População, maioria do Nordeste, procura emprego na construção civil e em serviços para os condomínios de luxo
NATÁLIA CANCIAN
ENVIADA ESPECIAL AO LITORAL NORTE
Há cerca de um mês, Erlândia da Silva, 29, embarcava em um ônibus em Itabuna (BA) rumo ao litoral norte, com os quatro filhos. O mais novo, de dois anos, foi no colo. "Entrei e me mandei. Vim com a força e a coragem."
Uma das favelas mais antigas de São Sebastião, entre as badaladas praias da Barra do Sahy e da Baleia, e criada nos anos 1970, a antiga Vila Baiana (hoje Vila Saí) recebe uma nova onda de migrantes.
Atraídos pelo sonho do trabalho no litoral paulista, a maioria dos migrantes vem, além da Bahia, dos demais Estados do Nordeste. Há ainda quem chegue de outros lugares, como o Paraná.
A maioria procura emprego na construção civil e em serviços gerais para os condomínios de luxo.
Segundo moradores, depois de ficar cerca de três anos sem receber novos habitantes, a favela voltou a crescer. Só nesta última temporada, o número de habitantes no bairro aumentou 50%, estimam. A favela tem cerca de 3.000 habitantes, de acordo com a associação local.
A migração atinge uma área "congelada" pela prefeitura, ou seja, impedida de receber novas construções.
"Está vindo muita gente", conta a vendedora Ângela Maria da Silva, 56, que mora há 12 anos no local. "Um parente manda vir o outro."
Segundo ela, esse "congelamento" funcionou no início, em 2007, mas agora houve uma outra explosão.
"Do lado da praia, condomínios estão fechando áreas e colocando avisos de espaço restrito", diz a presidente da Amovila (Associação de Moradores da Vila Saí), Regina Raymundo, 39. "É a invasão de alto padrão. Aqui é a invasão das pessoas carentes", compara Regina.
Ela se refere ao avanço de condomínios de luxo na região das praias da costa sul, como a Barra do Sahy, separada do bairro apenas pela rodovia Rio-Santos.
Segundo o subdelegado do Creci-SP (Conselho Regional de Corretores de Imóveis) em São Sebastião, Eliazar Simioni, o número de novas construções na região cresce cerca de 20% ao ano.
"O problema é que tem vindo muito mais gente do que tem trabalho", diz ele.
O custo de vida na região é outro desafio. "É complicado, porque nós [moradores] pagamos o mesmo valor do turista. E eles [migrantes] não têm noção disso. Muitos sabem que vão ganhar bem, mas não que vão gastar bem", diz a presidente da associação dos moradores.
Para o secretário de Ambiente de São Sebastião, Eduardo do Rego, o crescimento da Vila Saí também preocupa pela questão ambiental: a favela fica colada à serra do Mar. "A Vila Saí não tem aumentado para os lados, mas para cima. O que é perigoso, porque começa a invadir a área do parque [estadual da serra do Mar]", diz.
Segundo ele, o baixo número de fiscais -oito para toda a cidade- dificulta o controle das áreas congeladas.
"Um barraco se constrói em menos de 24 horas. E, por causa dessa cortina vegetal, você pode fiscalizar 20 vezes que não vai ver nada", diz.
Em São Sebastião, há hoje 54 áreas "congeladas", num total de 11.045 moradias, sendo 800 delas na Vila Saí, segundo a prefeitura da cidade.
Novata, moradora quer trazer parentes
Ela afirma ter fugido da violência em Itabuna (BA)
DA ENVIADA AO LITORAL NORTE
Elas moram lado a lado, em uma casa dividida ao meio, com duas portas, e de frente para a serra do Mar.
Enquanto uma acaba de chegar à favela Vila Saí, na Barra do Sahy, com a esperança de conseguir uma vida melhor, a outra, na região há cinco anos, pensa em voltar.
"Aqui a gente não tem tempo para cuidar da família", diz Maria Lúcia Nunes, 31. "Lá é mais tranquilo", conta, enquanto lembra do terreno, herança da mãe, que deixou em Coaraci, na Bahia.
É para lá, onde tinha um barraco, que pretende voltar e fazer uma nova casa.
Sua vizinha, Erlândia Maciel da Silva, 29, não tem os mesmos planos. Ela chegou de Itabuna (BA) com os quatro filhos em novembro.
O marido veio dias antes, chamado por uma tia, que soube de uma oferta na construção civil. "Ele trabalhou, mandou dinheiro e eu vim."
Agora, Erlândia pretende trazer também a irmã e o cunhado, que migraram para São Paulo. "Já está tudo certo. O marido dela vai trabalhar junto com o meu."
A chegada na Vila Saí, porém, não foi tarefa fácil.
Na casa de três cômodos, alugada por R$ 400 mensais, quase não havia móveis.
A família veio só com algumas roupas. "Tivemos que buscar doações para ajudar", conta a vizinha Ivanildes Andrade, 46, na vila há 28 anos.
Erlândia confirma. "Aqui é tudo bonito, mas é caro. Cada um tem que apertar a barriga e fazer sua casinha, senão não dá", diz.
Segundo ela, além da busca por oportunidades, há outros bons motivos para não querer voltar a Itabuna.
"Deixei meu barraco e tudo. Lá a violência era demais. Quero um futuro para meus filhos", diz, enquanto segura Vandinho, de apenas dois anos de idade.
Maria Lúcia já não tem a mesma esperança. Para dar conta do aluguel, reveza entre os trabalhos de doméstica e costureira, enquanto o marido trabalha como caseiro para os condomínios.
"Aqueles que vieram há mais tempo conseguiram fazer a vida. Para quem vem agora é mais difícil", diz.
(NATÁLIA CANCIAN)
FSP, 06/01/2013, Cotidiano, p. C1, C3
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/87266-favela-na-barra-do-sahy-escala-a-serra-do-mar.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/87267-novata-moradora-quer-trazer-parentes.shtml
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