Retirada de água do rio Itatinga - em estudos - podem reduzir a vazão que garante remanescente de Mata Atlântica e ainda ter impacto no litoral
O Parque das Neblinas é uma reserva privada na mata atlântica perto da cidade de São Paulo. Fica entre os municípios de Mogi das Cruzes e Bertioga. É mantida pelo Instituto Ecofuturo, com financiamento da Suzano Papel e Celulose. Ali já houve recuperação de floresta degradada. Hoje, há turismo sustentável. A área ajuda a guardar um dos últimos remanescentes da floresta atlântica. Mas a natureza preservada ali pode ser perturbada por um projeto para reduzir os impactos da crise hídrica que afeta o Sudeste. O projeto inclui a retirada de parte da água do rio Itatinga, que corta a reserva e desagua em Bertioga, no litoral do estado. A Sabesp, principal empresa de abastecimento do estado de São Paulo, estuda desviar parte da água do rio Itatinga, para fazer uma transposição. Em vez da água correr descendo a serra até o litoral, ela seria transportada para outra bacia, a do Tietê, e engrossaria o rio que ajuda a abastecer a região metropolitana. Para Paulo Groke, diretor de sustentabilidade do Instituto Ecofuturo, há riscos na operação.
Época - Como é o projeto de transposição do rio Itatinga?
Paulo Groke - O projeto prevê a retirada de 3.000 litros por segundo, utilizando este volume para reforço ao Sistema Alto Tietê. Para que isso aconteça, será necessário construir uma barragem no rio Itatinga logo após a confluência com o rio Grande, região de Taiaçupeba, em Mogi das Cruzes, a instalação de uma estação de bombeamento e cerca de cinco quilômetros de tubulações. Vale lembrar que se trata de um rio que não faz parte da bacia do Tietê. Ele nasce e deságua no município Bertioga.
Época - Quais são os riscos desse projeto para a região?
Groke - Existe um conjunto de possíveis impactos negativos que deveriam ser considerados. O primeiro e mais preocupante é justamente o menos evidente aos nossos olhos: o rio Itatinga faz parte da vertente atlântica e seu percurso o leva a desaguar no rio Itapanhaú, que corta importante área de mangue, em Bertioga. Acontece que, em conjunto com os outros projetos que visam retirar água de outros tributários e do próprio rio Itapanhaú, a água do mar encontrará menor resistência para penetrar no mangue, podendo afetar o seu frágil equilíbrio e, consequentemente, a sua função de berçário de parte da fauna marinha. Além disso, impactos para a fauna aquática dos rios (somente o Itatinga possui quatro espécies de peixes ameaçadas) e sobre fragmentos de vegetação nativa e poluição sonora (causada pela operação das bombas) poderão ocorrer.
Época - Quais são os benefícios de uma transposição para o abastecimento?
Groke - O benefício esperado é um reforço ao volume represado no Sistema Alto Tietê. É sem dúvida um objetivo de forte apelo. Ninguém, por princípio, deveria ser contra isso. Todos reconhecem a gravidade da crise hídrica e todos deveriam oferecer sua contribuição, independentemente do fato se está ou não sendo diretamente afetado pela falta d'água.
Época - Como daria para evitar os problemas ambientais?
Groke - O correto planejamento, os estudos ambientais e a transparência no relacionamento com as partes potencialmente afetadas pelos projetos poderiam evitar ou mitigar esse conjunto de impactos.É importante destacar que o apelo do reforço ao abastecimento hídrico da população da Grande São Paulo não pode desconsiderar, por exemplo, que o rio Itatinga nasce e deságua, pelo menos por enquanto (porque seu curso pode sofrer alteração com a transposição do rio), no município de Bertioga. É preciso colocar a gestão dos recursos hídricos em outro patamar de governança e transparência. Não se pode, sob o pretexto da emergência, - que só ocorre porque não se reage adequadamente aos alertas - abrir mão dos estudos de impacto ambiental, da análise de alternativas locacionais e do interesse da região na qual o Itatinga e o Itapanhaú estão inseridos, como por exemplo, a própria população de Bertioga.
Época - Há alternativas à transposição?
Groke - Certamente existem. Acontece que essas alternativas podem ser mais caras ou demoradas, o que desestimula a discussão por parte dos responsáveis pela gestão hídrica.
Estudos de impacto ambiental, quando realizados de forma séria, tecnicamente correta e participativa, também possuem a função de apontar alternativas. Estes estudos, associados à transparência do processo, oferecem o salutar exercício da discussão e do ganho de confiança entre as partes.
Época - Qual é a importância dessas unidades de conservação cortadas pelo rio?
Groke - O rio Itatinga é formado pela junção de três cursos d`água, localizados no alto da Serra do Mar. Nesta região, todas as nascentes desses três cursos d`água e aproximadamente os primeiros 12 km de seu curso encontram-se protegidos pelo Parque Estadual da Serra do Mar (ao longo de sua margem direita) e pelo Parque das Neblinas - RPPN Ecofuturo (na margem oposta). Toda a bacia do Itatinga é protegida pela Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA), modelo de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, que tem por objetivos básicos a preservação da biodiversidade e o desenvolvimento de pesquisa científica, tendo sua gestão coordenada pela Comissão Brasileira para o Programa "O Homem e Biosfera" da Unesco. É também protegida pelo tombamento da Serra do Mar pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico. Já os manguezais formados na planície costeira, onde desagua o Itatinga, são protegidos pelo Código Florestal como Áreas de Preservação Permanente. Com relação à biodiversidade associada à bacia do Itatinga, as pesquisas realizadas no Parque das Neblinas indicam a presença de fauna e flora bastante diversificada, incluindo a presença de espécies sob diversos graus de ameaça. Dentre estas espécies, destaca-se o Coptobrycon bilineatus, um pequeno lambari de apenas quatro centímetros que habita somente as bacias do Rio Itatinga e do Alto Tietê.
Época -Pesquisas feitas pelo ReclameAqui para nós mostram que 44% da população associa a seca ao desmatamento da Mata Atlântica (http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2014/11/paulistas-bculpam-governantes-bmais-do-que-o-clima-pela-seca-no-estado.html). Você acha esse índice bom?
Groke - Existe uma máxima na ciência florestal que diz que "floresta é igual a água". Períodos de seca mais intensa acontecem com certa periodicidade. A manutenção da cobertura florestal é uma espécie de poupança que garante a dinâmica dos fluxos hidrológicos e a recarga dos mananciais. O rio Itatinga só possui água de qualidade porque um conjunto de proprietários rurais, unidades de conservação, empresas florestais e ONGs proporcionaram a proteção da Mata Atlântica. Frear o desmatamento, manejar corretamente a cobertura florestal, promover a restauração da vegetação em áreas de mananciais, respeitar e valorizar as unidades de conservação deveria fazer parte do conjunto de soluções. Também é importante lembrar que não somente a Mata Atlântica, mas o Cerrado e a Floresta Amazônica, biomas que mantém íntima relação com a ocorrência e o armazenamento de chuvas, são vitais para a nossa qualidade de vida.
Procurada por Época sobre o projeto, a Sabesp divulgou uma nota informando "que está realizando estudos para viabilizar a utilização do rio Itatinga, tanto do ponto de vista técnico como ambiental".
Confira cobertura completa sobre a crise da água: http://epoca.globo.com/?s=crise%20da%20%C3%A1gua
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2015/03/transposicao-para-abastecer-sp-pode-afetar-rio-em-area-de-conservacao.html
Recursos Hídricos:Abastecimento
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