Depósito clandestino fica em Área de Proteção Ambiental
A imagem impressiona: crianças e adultos disputando com centenas de urubus toneladas de lixo depositadas freneticamente por caminhões. Numa espécie de caça ao tesouro, eles passam o dia revirando resíduos orgânicos, restos de construções, ferros e galhos de árvores. Pilhas de plásticos, brinquedos e móveis estão por toda parte numa área de cerca de 40 mil metros quadrados, equivalente a aproximadamente cinco campos de futebol.
O contraste choca porque o lixão fica escondido numa clareira aberta no Parque Estadual da Costa do Sol, um dos mais belos recantos do litoral do Rio: a Praia Grande, no município de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, a cerca de 160 quilômetros do Centro do Rio. Por lei, desde 2014, os lixões estão proibidos no país.
O depósito clandestino é uma ameaça à Reserva Extrativista Marinha (ResEx) de Arraial do Cabo, criada por decreto presidencial em janeiro de 1997 e que cobre 56.769 hectares do litoral da cidade. Uma das 16 unidades de conservação federal no Estado do Rio, a reserva é administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O lixão também coloca em risco a Área de Proteção Ambiental (APA) de Massambaba e um sítio arqueológico reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
- Há risco, sim, à reserva extrativista. O chorume de lixões são fontes de contaminação do lençol freático. Vamos apurar o caso. Desconheço, no momento, se alguma providência já foi tomada pela chefia da unidade local, mas pode haver impacto. Vamos enviar uma equipe de fiscalização ao local - afirmou a engenheira agrônoma Andréa da Nóbrega Ribeiro, coordenadora regional do ICMBio.
No lixão, a equipe do GLOBO flagrou funcionários de uma empresa contratada pela prefeitura de Arraial do Cabo para fazer a coleta domiciliar do município despejando lixo. Carroceiros e pequenos caminhões também usam o terreno para vazar, na maioria das vezes, entulho. Ao redor da grande montanha de lixo, há ainda outros pontos onde é despejado material de obras.
- São os próprios caminhões da prefeitura de Arraial que jogam lixo aqui no lixão e em todo o parque. Tem dia que é tanta sujeira que é impossível passar - disse um catador de lixo, apontando para o mar da Praia Grande, a cerca de 600 metros do local.
A equipe do GLOBO chegou ao lixão seguindo caminhões que faziam a coleta de lixo no Centro de Arraial do Cabo. Pelo menos dois ocupantes de um dos veículos usavam uniformes da prefeitura. Procurada, a assessoria de imprensa do prefeito Wanderson Cardoso de Brito (PMDB), o Andinho, não deu retorno para comentar o assunto.
- Eu trabalho para a prefeitura. Sou contratado por ela para passar o trator no terreno - disse o homem que conduzia a retroescavadeira que estava no lixão na última quinta-feira.
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Segundo catadores que vivem de recolher material para reciclagem e que montaram um acampamento no lixão, o depósito clandestino é "nômade": ele já funcionou em vários pontos do Parque Estadual da Costa do Sol ao longo dos últimos anos. Na semana passada, ao percorrer a região usando estradas improvisadas abertas na APA de Massambaba, a equipe do GLOBO encontrou vários pontos de descarte de lixo, alguns a poucos metros da Praia Grande.
- Viemos para cá tem pouco tempo - afirmou um catador.
O deputado estadual Carlos Minc (sem partido), vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa (Alerj), disse que a denúncia sobre o lixão será discutida com outros parlamentares, e que deverá agendar uma visita ao lugar:
- Como ministro do Meio Ambiente, em 2010, atuei no Congresso Nacional para aprovar lei federal que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Mais tarde, como secretário estadual de Meio Ambiente, trabalhei para acabar com os lixões. A presença de um lixão numa área de preservação ambiental em Arraial do Cabo é ilegal e um absurdo, levando-se em consideração todas as circunstâncias. Então, vamos lá.
O depósito clandestino fica próximo a uma outra área, ainda dentro do Parque Estadual da Costa do Sol, onde a prefeitura de Arraial pretende construir um novo cemitério para desafogar o antigo, instalado há 70 anos no centro do município. O projeto está sendo questionado pelo Ministério Público Federal, que recorreu à Justiça para impedir o empreendimento. Uma liminar paralisando as obras já foi concedida pela Justiça Federal. Segundo os procuradores, a construção fica em faixa litorânea, em trecho de dunas e dentro da área de preservação, considerada ainda um sítio arqueológico.
- Nós, do Ministério Público Federal, entendemos que não é caso de se construir um cemitério naquele local, por se tratar de uma área de preservação ambiental e um sítio arqueológico de grande importância. Por isso, ingressamos com um recurso, para impedir a obra em local com características especiais. Na nossa opinião, a liminar não é definitiva. É necessário preservar o lugar para gerações futuras - disse o procurador Paulo Henrique Brito.
A questão vai ser decidida pelo desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama, da 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal (TRF). Para outro procurador regional, Roberto dos Santos Ferreira, "existe ameaça ao meio ambiente em área de interesse turístico e paisagístico", além de a obra não ter um estudo de impacto ambiental.
Arraial do Cabo foi fundada em 1503 pelo conquistador Américo Vespúcio. Apenas em 1985, virou município ao ser emancipada de Cabo Frio. Sua população é de cerca de 30 mil habitantes. As belas praias do município atraem muitos turistas.
ILEGAIS DESDE 2014
O lixão de Arraial do Cabo nem deveria existir. O fim da atividade de coleta de materiais recicláveis em lixões é uma determinação da lei federal 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Após a promulgação da lei, de 2010, todos os municípios tiveram prazo até dezembro de 2014 para cumprir a norma e só encaminhar a aterros sanitários - aqueles ambientalmente adequados - o que não puder ser reciclado.
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Segundo dados do relatório da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), divulgado em julho do ano passado, de 2010 a 2014 a geração de lixo no Brasil avançou cinco vezes mais em relação ao crescimento populacional, mas 38% dos brasileiros (78 milhões de pessoas) continuaram sem acesso a serviços de tratamento e destinação adequada de resíduos.
A edição 2014 do "Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil" indicou poucos avanços em gestão de detritos em relação ao ano anterior. Além disso, alerta que os lixões a céu aberto ainda desafiam prefeitos de 1.559 cidades, quatro anos após a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prioriza a redução do volume de resíduos gerados, a ampliação da reciclagem, aliada a mecanismos de coleta seletiva, e a gradativa extinção dos lixões.
O país produz cerca de 260 mil toneladas de lixo diariamente, grande parte depositada ainda de forma inadequada. O estudo foi feito em 400 municípios de todas as regiões do país. E mostrou que, embora 64,8% das cidades tenham apresentado alguma iniciativa de coleta seletiva em 2014 - em 2010, esse número era de 57,6% -, os índices de reciclagem dos principais materiais, como alumínio, plástico, vidro e papel, seguiam estagnados há quatro anos.
http://oglobo.globo.com/rio/funcionarios-da-prefeitura-despejam-detritos-em-lixao-em-arraial-do-cabo-18961836
UC:Parque
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