Terras Guarani no Estado de SP estão ameaçadas de privatização

Mundo Lusíada mundolusiada.com.br - 26/09/2017
São quatro as Terras Indígenas (TIs) Guarani que estão sob ameaça iminente no estado de São Paulo: a Terra Indígena de Jaraguá (nos municípios de São Paulo e Osasco), a aldeia Renascer Ywyty Guaçu (em Ubatuba), a aldeia Tekoha Paranapuã (em São Vicente) e a TI Pakurity (no Vale do Ribeira). Trata-se de TIs que foram parcialmente sobrepostas por Unidades de Conservação (UCs) pelo estado. A presença guarani no Planalto de Piratininga e na Serra do Mar é anterior à invasão europeia. Por tanto, estamos falando de povos pré-existentes à constituição do Estado brasileiro e, claro, à determinação dessas áreas como UCs.

Se esses territórios tiveram interesse econômico por parte do mundo juruá (não índio), durante o ciclo extrativo do ouro ou na formação de roças de café, quando exaurida a terra os juruá perderam interesse nessas áreas e as declararam UCs. O Parque de Jaraguá foi criado em 1961. O Parque da Ilha do Cardoso (no Vale do Ribeira) foi criado em 1962. O Parque Serra do Mar (em Ubatuba) foi criado em 1979. O Parque Xixová-Japuí (em São Vicente) foi criado em 1993.

Mas eis que um novo "garimpo" se abre nessas áreas, despertando o interesse empresarial. O governador Geraldo Alckmin apresentou em 2013 um projeto de lei que terminou sendo sancionado em 2016. A Lei 16.260 autoriza a concessão à empresa privada, por um período de 30 anos, de 25 áreas florestais no estado de São Paulo, que poderão ser exploradas pelos ramos do turismo, do ecoturismo, da madeira, da resina e de outros subprodutos florestais. De fato, muitas UCs do estado já vinham sendo reflorestadas com pinus e eucalipto e eventualmente concedida à empresa privada sua exploração. Isto é, o reflorestamento com essas espécies exóticas, que impedem qualquer recuperação do bioma da Mata Atlântica por concorrer com vantagem com as espécies nativas pelos nutrientes do solo e os recursos hídricos, não é exatamente resultado de ignorância técnica. A opção por essas espécies corresponde a um cálculo econômico bem preciso.

Ao mesmo tempo, autoriza-se a construção de condomínios e infraestrutura turística em grande escala nas proximidades das UCs, com estudos de impacto ambiental e social realizados a toque de caixa e sem consulta às populações afetadas.

No caso das quatro TIs Guarani ao qual nos referimos, a presença do povo, com seu nhandereko (modo de ser e viver Guarani) é um empecilho para a utilização da terra com critérios empresariais.

Em 2015, o então ministro de Justiça Eduardo Cardozo assinou a Portaria Declaratória no 581, que homologou a TI de Jaraguá envolvendo quatro aldeias que ainda não tinham sido reconhecidas. Já em 2014, e em pleno processo demarcatório, o governo de São Paulo havia feito uma série de acordos com a comunidade que não foram cumpridos a respeito da gestão compartilhada da área do Parque Estadual (criação de um museu, habilitação dos Guarani como guias do Parque e outros). Mas neste ano impetrou um mandado de segurança reclamando que a União não poderia homologar uma demarcação em terras que pertenciam ao estado de São Paulo. O atual ministro de Justiça Torquato Jardim emitiu então a Portaria no 683, que anula a demarcação.

A ampla mobilização contra a Portaria no 683 e a ocupação do Pico de Jaraguá, coração da terra sagrada, pelos xondaro (guerreiros), justo onde se erigem as torres com as antenas que retransmitem os sinais de telefonia celular, televisão, comunicação da rede ferroviária, caixas automáticos e outros, obrigaram os secretários de Justiça, de Segurança e de Meio Ambiente a dialogar com os Guarani no dia 15 de setembro último. Os três funcionários anunciaram a retirada do mandado de segurança, por desnecessário, já que o a Portaria no 683 do Ministério da Justiça revogava a demarcação.

No dia 18 de setembro, os e as representantes da TI de Jaraguá exigiram do governo do estado que reconhecesse as quatro TIs que ele ameaçava de despejo por se sobrepor a UCs, que se comprometa a não criminalizar os lutadores e a não privatizar o Parque Estadual de Jaraguá. O compromisso com essas duas últimas reivindicações ficaram registradas na fala dos secretários nos vídeos que foram feitos no momento, mas não no documento assinado por eles.

Por fim, um encontro foi marcado com o governador Geraldo Alckmin para o início desta semana. E, antes mesmo do encontro, e a maneira de resposta antecipada à exigência do TI de Jaraguá, chegou a notícia da ordem de reintegração de posse para a aldeia Renascer Ywyty Guaçu (no município de Ubatuba) para a próxima sexta-feira, dia 29 de setembro.

Como diz o nosso colega, Davis Sansolo:

"Na realidade, não se trata de conservação x terra indígena, mas de privatização da paisagem. De fetichização do panorama do Pico do Jaraguá, sem qualquer transmissão de conteúdo sobre o significado da natureza local (geologia, geomorfologia, cobertura vegetal etc). Muito menos sobre o significado histórico do local, nem antes da colonização, nem depois. Havia uma grande diversidade de etnias indígenas no Planalto do Piratininga. A dinâmica da cidade nem de perto é abordada aos visitantes. O interesse é somente o de espetacularização do panorama (distinto de paisagem) sem qualquer significado geográfico. Usam dessa maneira a institucionalização da proteção da natureza como meio de enfraquecer a política territorial indigenista para, em seguida, tornar natureza e cultura em mercadorias." (informação oral, 24/09/2017)

Nós, do TerritoriAL, como trabalhadores da ciência, defendemos a integridade das quatro Terras Indígenas. O nosso argumento não é só o da justiça, neste caso, para com a nação Guarani. Temos plena consciência de que a presença do povo, com seu nhandereko, é a única garantia para a recuperação do território ferido pela "condição colonial permanente", no dizer de Florestan Fernandes, que se instalou a partir do século XVI. A sofisticada tecnologia do povo Guarani é, nessas quatro TIs, a barreira contra a destruição e também a possibilidade da expansão de uma terra de abundância.





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