Ministério do Meio Ambiente prepara concessão de parques que têm situação irregular
15/04/2019 - 16:45
Renato Grandelle
Plano que delimita área e finalidades de unidades de conservação está desatualizado; há ações judiciais pendentes desde a década de 1960
RIO - Quatro unidades de conservação gaúchas serão o primeiro alvo da nova política do governo de Jair Bolsonaro para áreas protegidas. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, confirmou na semana passada que pretende concluir até outubro o edital para concessão à iniciativa privada dos parques nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral e das florestas de Canela e São Francisco de Paula, na Serra gaúcha.
Em visita a Cambará do Sul, sede dos parques nacionais, Salles afirmou que o governo federal trabalhará em "etapas que precisam ser obedecidas, questões formais da lei". O ministro, no entanto, ignorou que as unidades têm diversas falhas em seu plano de manejo, documento que conta com informações detalhas sobre o perímetro dos parques e que atividades econômicas podem ser desenvolvidas. Nas unidades gaúchas, o plano foi atualizado pela última vez em 2004 - a recomendação é que seja revisto a cada cinco anos.
- Nosso esforço, nosso desejo é que em outubro, até o final de outubro, nós tenhamos já o edital concluído, ou seja, o processo de escolha, enfim, já realizado - disse à rede RBS. - E que possamos aqui, portanto, no final de outubro, declarar que o parque será concedido.
A expectativa de Salles é que, com a concessão, o número de visitantes das unidades passe de 250 mil a 1 milhão por ano. O modelo aplicado em Aparados da Serra e Serra Geral deve ser levado a 20 parques nacionais ainda em 2019.
Conhecido pela mata de araucárias e por seus cânions, o parque de Aparados da Serra foi criado em 1959 e, desde o ano seguinte, acumula ações judiciais que inviabilizam sua plena gestão. Embora o litígio esteja prestes a completar 50 anos, até agora existem áreas cuja situação fundiária não foi avaliada, ou que seus antigos proprietários não receberam as devidas indenizações. O planejamento também está pendente em Serra Geral, parque concebido em 1992.
Um estudo de viabilidade econômica preparado no ano passado calculou que uma parceria público-privada para desenvolvimento de atividades em ambos os parques geraria até R$ 121 milhões ao longo de duas décadas. No entanto, segundo o documento, a empresa concessionária só atingirá esta renda se puder explorar uma trilha, a do Cânion Malacara, em que há "pendência de regularização fundiária, em trâmite judicial".
Parte da renda poderia ser compartilhada com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a autarquia do Ministério do Meio Ambiente responsável pela gestão das unidades de conservação. Somadas, Aparados da Serra e Serra Geral têm cerca de 30 mil hectares e apenas oito servidores do instituto em seus quadros. Assim, cada um monitora uma área semelhante a do Parque Nacional da Tijuca, que tem 3.900 hectares. E não há perspectiva de melhora - nas últimas semanas, o órgão tem sofrido baixas em cargos estratégicos, como as chefias de divisões.
- A concessão de algumas unidades de conservação com apelo turístico não é a solução para o problema geral. Em todo o país, as áreas protegidas são extremamente problemáticas, porque não foram implementadas de fato - critica Leandro Mitidieri, procurador da República e coordenador do Grupo de Trabalho de Unidades de Conservação do Ministério Público Federal. - O ICMBio precisa de mais servidores. Na atual situação, a fiscalização parece fictícia, e o Brasil descumpre acordos internacionais sobre temas como preservar a diversidade biológica e combater a poluição atmosférica.
Diretora executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, Angela Kuczach também teme que, diante do pequeno efetivo do instituto, a fiscalização não seja realizada com o devido rigor.
- A concessão de serviços em parques é bem-vinda, porque sabemos que o governo não tem capacidade, conhecimento e competência para lidar com alguns serviços. Mas as unidades de conservação correm risco se o ICMBio está enfraquecido - pondera. - Precisamos monitorar como será feita a concessão. O edital e a licitação devem estar sob a égide do plano de manejo. Se algo der errado, a bancada ruralista vai aproveitar para vender seu peixe, e dizer que não é possível administrar áreas tão amplas.
Mesmo diante de questões pendentes, como o plano de manejo incompleto, as autoridades regionais apoiam a concessão dos parques nacionais, de olho na geração de renda com a chegada de novos serviços. Os prefeitos dos municípios vizinhos às unidades de conservação elegeram o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) como seu porta-voz em Brasília.
Heinze é membro da Frente Parlamentar da Agropecuária e em 2016, quando era deputado federal, votou a favor de uma medida provisória que facilitou a regularização de terras ocupadas, que ficou conhecida como a MP da Grilagem. Além disso, também apoiou um relatório que aumentou a área desprotegida de um parque nacional do Pará.
O senador reconhece que o plano de manejo dos parques está desatualizado, mas assegura que o ICMBio terá autonomia e recursos para fiscalizar as concessões.
- A fiscalização vai acontecer, vamos discutir agora. Não estou preocupado com isso. Precisamos desenvolver aquela região. Nós temos aquela beleza, isso está subutilizado. Ninguém vai depredar. A empresa que entrar tem o maior interesse de mostrar o parque. Hoje você vai e não encontra um banheiro, uma bicicleta. Não há acessibilidade para deficientes - critica.
Procurado pelo GLOBO para comentar a situação dos planos de manejo, o Ministério do Meio Ambiente não quis se pronunciar.
https://oglobo.globo.com/sociedade/ministerio-do-meio-ambiente-prepara-concessao-de-parques-que-tem-situacao-irregular-23600992
UC:Parque
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