O Globo, País, p. 4 - 15/07/2019
Bolsonaro critica taxa para visitação de praias de Noronha e promete revê-la
Taxa ambiental em Noronha 'é um roubo', diz Bolsonaro
ANA PAULA BLOWER
apaula.blower@oglobo.com.br
RIO E BRASÍLIA
O presidente Jair Bolsonaro atacou ontem a taxa cobrada para visita a praias em Fernando de Noronha (PE). "É um roubo praticado pelo governo federal. Vamos rever isso", disse ele em rede social. O Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, gerido pelo ICMBio e que recebe os recursos da taxa, é Patrimônio Natural Mundial da Humanidade.
O presidente Jair Bolsonaro criticou, em suas redes sociais, uma taxa cobrada para a visitação de praias no Arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco, e afirmou que o valor "explica porque quase inexiste o turismo no Brasil". A declaração foi dada por Bolsonaro ao comentar um vídeo em que um homem filma a Praia do Sancho, considerada uma das melhores do mundo por publicações especializadas em viagens.
Em seu perfil no Facebook, Bolsonaro citou no último sábado a cobrança de "R$ 106 para frequentar uma praia em Fernando de Noronha" e que o valor é mais alto para turista estrangeiro, indo a R$ 212. "Isso é um roubo praticado pelo GOVERNO FEDERAL (o meu Governo). Vamos rever isso", escreveu o presidente. Ele finaliza a postagem pedindo que se "denuncie práticas porventura semelhantes em outros locais".
A taxa de visitação citada por Bolsonaro é cobrada desde 2012 e foi regulamentada por uma portaria do Ministério do Meio Ambiente. Ela permite acesso ao Parque Nacional Marinho, que engloba algumas das praias mais conhecidas de Noronha, como a do Sancho e a da Baía dos Porcos. O valor pago pelo visitante é válido por dez dias. O parque é administrado por uma concessionária privada e supervisionado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), subordinado ao Ministério do Meio Ambiente.
Além da cobrança citada por Bolsonaro, ao desembarcar em Fernando de Noronha o visitante deve pagar uma taxa de permanência chamada Taxa de Preservação Ambiental (TPA). Diferentemente da que é paga para acessar o Parque Marinho, a TPA é cobrada e arrecadada pelo governo de Pernambuco, que administra o Distrito de Fernando de Noronha. A taxa varia de acordo com a quantidade de dias que o turista permanecerá no arquipélago. O valor mínimo é R$ 73,52.
Segundo o governo de Pernambuco, ambas as taxas têm como destino ações de conservação e preservação do arquipélago. Pelo menos 70% do seu valor é revertido para melhorias diretas do Parque Nacional Marinho, como manutenção de trilhas, sinalização, implementação e manutenção de centros de visitantes.
Criado em 14 de setembro de 1988, o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (Parnamar-FN), identificado como um santuário para muitas espécies, é, desde 2001, reconhecido e tombado pela Unesco como Patrimônio Natural Mundial da Humanidade.
De acordo com a direção da unidade, o parque foi criado com o "objetivo de valorizar os ambientes naturais e de beleza cênica local, protegendo os ecossistemas marinhos e terrestres, preservando a fauna, a flora e os demais recursos naturais".
Ainda de acordo com a direção do parque, a área é considerada uma das mais importantes para a reprodução de aves marinhas do Atlântico. A região é apontada por ambientalistas como um refúgio para grupos ameaçados de extinção, como baleias, tartaruga, ouriço-satélite, coral-de-fogo e tubarão-limão.
O Parque Nacional Marinho abriga cerca de 230 espécies de peixes e 15 de corais, além de golfinhos-rotadores, diversas espécies de tubarões e raias.
Procurados pelo GLOBO, ICMBio e Ibama orientaram a reportagem a procurar o Ministério do Meio Ambiente, que não respondeu até o fechamento desta edição. O governo de Pernambuco disse que não se pronunciaria sobre as declarações de Bolsonaro.
Esta não é a primeira vez que Bolsonaro coloca em discussão temas envolvendo o meio ambiente e áreas de preservação. Em pouco mais de seis meses de governo, o presidente tem apresentado propostas consideradas polêmicas por ambientalistas, pesquisadores e entidades de preservação da natureza. Entre elas, está o fim da Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio, região que Bolsonaro propõe abrir à exploração turística e transformá-la na "Cancún brasileira".
SEM INTERVENÇÃO HUMANA
A Estação Ecológica de Tamoios foi criada por decreto presidencial em 1990, durante o governo de José Sarney, numa área que ocupa aproximadamente 5% da Baía de Ilha Grande. A região abriga 29 ilhas, lajes e rochedos que, assim como Fernando de Noronha, servem de refúgio, local de alimentação e berçário para diversas espécies marinhas e endêmicas das ilhas. A estação ainda garante o sustento de colônias pesqueiras que se beneficiam da reprodução protegida de camarões, sardinhas e peixes nobres como chernes e robalos.
Tamoios é livre da intervenção humana para espécies ameaçadas. Em um primeiro momento, Bolsonaro chegou a cogitar a hipótese de acabar com a estação por meio de decreto, reconhecendo posteriormente não ser possível. A Constituição determina que qualquer mudança nos limites de uma unidade de conservação federal precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional. O presidente já foi alvo de processo sob a acusação de pescar em área de preservação ambiental nessa região.
Outra medida que preocupou ambientalistas foi o anúncio, por parte do governo, da revisão de todas as Unidades de Conservação do país. Segundo o Planalto, as unidades foram feitas "sem critério técnico". (Colaborou Geralda Doca)
Para especialistas, medida compromete estrutura
Cobrança em Noronha também funcionaria como um limitador de acesso; governo prevê pelo menos 20 concessões de parques
Acrítica feita pelo presidente Jair Bolsonaro à taxa cobrada de visitantes para o acesso ao Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha repercutiu entre ambientalistas. Para eles, a possível extinção da cobrança comprometeria ainda mais a já insuficiente infraestrutura do parque.
Professor do Instituto Oceanográfico da USP e responsável pela Cátedra Unesco para Sustentabilidade dos Oceanos, Alexander Turra criticou a declaração de Bolsonaro. Para Turra, o fim da taxa é populista e seus efeitos podem ser negativos para o meio ambiente local.
- Se há uma taxa de turismo e limitação de acesso de pessoas, é porque esse instrumento de gestão está adequado e dimensionado de acordo com a capacidade de esgoto, de água do local. Sem isso, há risco para o meio ambiente - afirma. - O que compromete o turismo no Brasil não são as taxas, cujas cobranças são feitas em poucos parques. O problema do turismo é a falta de estrutura, saneamento, coleta do lixo, que é o que faz com que as praias percam qualidade e se tornem impróprias.
O professor disse ainda que o valor da taxa de acesso a Noronha até poderia ser reduzido por meio da mudança de gestão do parque. Neste caso, seria preciso passar a gestão ao ICMBio e, com isso, reforçar a estrutura do local, inclusive com servidores públicos.
Já a diretora Executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, Angela Kuczach, afirmou que a declaração de Bolsonaro vai contra uma política do próprio Ministério do Meio Ambiente. A pasta defende concessões para administração de parques, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou que quer fazer 20 novas concessões até o fim deste ano.
- Quando Bolsonaro fala do acesso à Praia do Sancho, está falando do valor pago para chegar naquelas áreas através do serviço prestado por uma concessionária, que é exatamente a agenda que o Ministério do Meio Ambiente vem defendendo - afirma. - Ainda sobre as concessionárias, o valor é este porque foi feito um estudo de viabilidade econômica para determinar que aquela área poderia ser concessionada, foi aberto um edital. Não é algo que saiu da cabeça de alguém. Teve todo um processo que ele parece desconhecer.
O Globo, 15/07/2019, País, p. 4
https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-critica-taxa-para-visitar-praia-em-fernando-de-noronha-diz-que-vai-reve-la-roubo-23807800
https://oglobo.globo.com/brasil/para-especialistas-intencao-de-bolsonaro-de-suspender-cobranca-em-noronha-compromete-parque-23808334
UC:APA
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