Enquanto os olhos do mundo estão atentos para o fogo que destrói a Amazônia, floresta reguladora dos ciclos de chuva e guardiã de uma biodiversidade ímpar, os povos indígenas que ali habitam pedem socorro. Dados do Instituto Socioambiental (ISA) mostram que, devido ao fogo que se alastra na região amazônica, há 148 terras indígenas da Amazônia brasileira ameçadas.
Isso quer dizer que são mais de cem etnias na área das queimadas. Segundo as imagens capturadas por satélite, no dia 20 de agosto havia 3.553 focos de calor na floresta. Entre 20 de julho e 20 de agosto, foram 33.060 focos de calor na Amazônia Legal no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
De acordo com o pesquisador do ISA Antônio Oviedo, o Inpe opera a partir de um satélite com um sensor termal que consegue detectar altas temperaturas na superfície da Terra. "A cada dia, nesta plataforma, temos todos os pontos no Brasil onde este satélite detectou a presença do fogo. Cruzando com imagens de outros satélites, podemos acompanhar a mancha da cicatriz causada pelo fogo, que é a área queimada. Assim conseguimos analisar a magnitude destes incêndios", explica.
"Nós, do ISA, acessamos os dados de focos de queimadas e desmatamento que são divulgados pelo Inpe, os cruzamos com as próprias bases de dados, mapas de terras indígenas e unidades de conservação para conseguir fazer esta análise da incidência destes focos no interior das terras indígenas e também fora, assim conseguimos avaliar o grau de ameaça que estas terras estão sofrendo", conta o pesquisador.
As dez terras indígenas mais afetadas pelos incêndios, detectadas pelo ISA a partir deste cruzamento de dados, são o Parque Indígena Araguaia (TO), a TI Pimentel Barbosa (MT), TI Parabubure (MT), TI Apyterewa (PA), TI Marãiwatsédé (MT), TI Kayapó (PA), TI Areões (MT), TI Kanela (MA), TI Mundurucu (PA) e a TI Pareci (MT). No Parque Indígena Araguaia, o mais afetado, foram 752 focos de calor no período de um mês.
Dia do fogo veio após onda de desmatamento
"Pela magnitude destes focos, considerando que este ano não foi tao seco, isso mostraria que este aumento expressivo ocorreu principalmente por atividades ilegais", diz Oviedo. Segundo ele, esse processo de colocar fogo nas terras vem logo após uma onda de desmatamento.
"Como a gente já teve mês passado todo aquele registro de alta do desmatamento oferecidos pelo sistema Deter, do Inpe, era de se esperar que logo apos uma onda de desmatamento haja uma atividade do fogo para completar esta onda de destruição", diz Oviedo, evocando o "dia do fogo", convocado por agricultores da região, em agosto, para mostrar apoio às ideias de Jair Bolsonaro de "afrouxar" a fiscalização do Ibama.
Os dados divulgados pelo ISA também apontaram quais são os Estados da Amazônia Legal mais atingidos pelo fogo nesse período. O Pará é o campeão, com 8.622 focos de calor, seguido do Amazonas (6.654), Mato Grosso (6.147) e Rondônia (5.044).
"Na Bacia do Xingu, onde o ISA tem programais regionais, a gente observa que as organizações indígenas trabalham junto com o PrevFogo, do Ibama, tentando fazer uma integração do conhecimento sobre o manejo de fogo. São populações que têm conhecimento milenar sobre estas práticas", relata Oviedo.
"A gente tem conversado com parceiros e comunidades nas diferentes regiões para tentar entender como ocorreu este fogo. O que a gente já sabe, pelos dados dos satélites, é que cerca de 67% do fogo veio de fora [dos territórios indígenas]", completa.
"Retórica e políticas tóxicas"
Para Laura de Luis, porta-vos da ONG Survival Internacional, a situação é grave e exige a união de esforços. "A principal medida que se deve exigir a nível internacional é que se respeitem os territórios dos povos indígenas", afirma.
"Os incêndios na Amazônia não são algo novo, e denunciamos isso faz muitos anos, mas desde que Bolsonaro chegou ao poder, eles alcançaram um nível crítico e isso está diretamente associado à retórica e as políticas tóxicas de Bolsonaro para com os povos indígenas e o meio ambiente. São muitas as ocasiões em que os escutamos dirigir ataques às comunidades indígenas", denuncia.
"Os povos indígenas são sem dúvida alguma os melhores guardiões da natureza: 80% dos territórios mais biodiversos do planeta são lugares habitados por povos indígenas e tribais. É curioso e desolador ao mesmo tempo ver como, na Amazônia, estas pequenas ilhas de verde em um mar de desmatamento são territórios indígenas", lamenta.
Para a representante da Survival, a pressão internacional tem que continuar. "A nível internacional todos somos um pouco cúmplices do desmatamento. Temos uma responsabilidade e temos que atuar. Não podemos deixar os povos indígenas sozinhos nesta luta. Por isso mesmo precisamos de apoio e pressão internacional para que dirigentes como Bolsonaro tenham que aplicar as leis."
"Desde que Bolsonaro chegou ao poder, são muitas as medidas que ele quis aplicar para minar os direitos dos povos indígenas e foi graças à luta das comunidades indígenas e à pressão internacional que não pôde implementar todas as medidas racistas e que ameaçam os direitos fundamentais que ele gostaria", analisa Laura.
Sobre as mais recentes declarações do presidente do Brasil, nesta terça-feira (27) o ISA lançou uma nota à imprensa: "O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta as declarações cínicas do presidente Jair Bolsonaro, em reunião com os governadores da Amazônia, atribuindo aos povos indígenas e às suas terras responsabilidades pelo escândalo florestal em curso, que choca a humanidade. Todos sabem - e ele também - que o desmatamento e o fogo são causados por frentes predatórias que, nesse momento, atuam livres de qualquer constrangimento por parte do seu governo e incentivados por declarações suas, como esta, e de assessores seus".
http://br.rfi.fr/brasil/20190827-pelo-menos-148-terras-indigenas-estao-ameacadas-pelo-fogo-na-amazonia
Amazônia:Queimadas
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