O Globo, Sociedade, p. 25 - 04/12/2019
Decreto prevê concessões para três parques
Especialistas consideram concessões de parques única medida ambiental positiva de Bolsonaro
Unidades de conservação foram incluídas no Plano Nacional de Desestatização do Ministério da Economia
Rafael Garcia
03/12/2019 - 08:39 / Atualizado em 04/12/2019 - 08:35
SÃO PAULO - Um decreto do presidente Jair Bolsonaro autorizou que serviços de apoio à visitação sejam entregues a concessões privadas nos Parques Nacionais dos Lençóis Maranhenses (MA), de Jericoacoara (CE) e do Iguaçu (PR). A operação de transporte, restaurante, bilheterias e outras atividades de apoio terá agora regras claras para ser licitada e contratada nessas unidades de conservação. Para especialistas, a decisão é, por enquanto, o único acerto do governo Bolsonaro na área ambiental.
Há, no entanto, o temor de que operadoras de turismo com maior poderio financeiro tirem a oportunidade de desenvolvimento das populações que moram próximas aos parques. Por estar incluída no PND (Programa Nacional de Desestatização), a medida gerou receio de que seria um passo inicial para privatização na gestão dos parques em si. A medida, porém, vinha sendo articulada pelo próprio gestor dos parques nacionais, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), desde 2015.
Cláudio Maretti, ex-presidente do ICMBio e um dos articuladores do processo para disciplinar a atividade, vê como positivo o decreto, caso sejam tomados cuidados necessários.
- A única coisa que vi até hoje neste governo como positiva na área ambiental é a proposta de dar continuidade nesse processo de concessões - diz Maretti, hoje vice-presidente da Comissão Mundial de Áreas Protegidas.
As três unidades de conservação estão entre os pontos turísticos mais visitados do Brasil. Segundo o texto assinado por Bolsonaro na última segunda-feira, o plano de desestatização dos parques tem como objetivo a "concessão da prestação dos serviços públicos de apoio à visitação, com previsão do custeio de ações de apoio à conservação, à proteção e à gestão".
O decreto também prevê que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ( BNDES ) seja contratado "para elaborar os estudos necessários às concessões" e para dar suporte à supervisão dos serviços técnicos e de revisão de produtos contratados.
Segundo um técnico do ICMBio informou ao GLOBO, há ao menos sete parques nacionais onde serviços já vêm sendo prestados por concessionárias. Um exemplo é o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, no qual o trem do Corcovado é uma concessão privada.
O próprio Parque Nacional do Iguaçu, citado no decreto de Bolsonaro, já cobra entrada (R$ 41 para brasileiros adultos e R$ 70 para estrangeiros) e possui um hotel dentro. A medida anunciada agora, porém, passa a disciplinar licitações para novas concessões, após a lei ter sido clarificada.
A legislação que versa sobre o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) já prevê que parques possam delegar serviços, mas só em 2018 surgiu lei dizendo que possam ser delegados na forma de uma concessão privada.
Outros parques que já possuem concessões privadas operando em alguma medida são os da Serra dos Órgãos (RJ), Itatiaia (RJ), Pau Brasil (BA) e Chapada dos Veadeiros (GO). O ICMBio identifica, porém, cerca de 20 unidades de conservação em que as atividades de visitação com iniciativa privada é economicamente viável.
Continuidade
Ainda segundo Maretti, as concessões são um modelo que tem tido sucesso internacionalmente, quando bem administradas.
- Existem estudos científicos demonstrando numa análise de mais de uma dezena de países, em vários continentes, que a atividade econômica, nos casos onde é possível ela se associar ao uso sustentável, faz com que as condições de vida da população que vive próxima à unidade de conservação seja melhor do que a daquela que vive longe.
O ex-presidente do ICMBio vê potencial de abertura para concessão em cerca de 50 das 335 unidades de conservação do país: aquelas com vocação turística. Ele alerta, porém, para que a vocação dos parques nacionais não desvirtue o seu objetivo, que é proteger a natureza.
- Já se discutiu nesse país a possibilidade de construir resort dentro de unidade de conservação ou abrigar um parquinho de diversões com roda gigante - conta.
O apoio a concessões não é unânime entre ambientalistas, porém, e aqueles que são favoráveis manifestam preocupações com o impacto das concessões nas comunidades locais.
População local
Para Nurit Bensusan, do Instituto Socioambiental, alguns problemas estão sendo abordados.
- O ICMBio deu um passo à frente no ano passado quando passou a conceder pontuação positiva em seus editais às concessões que comprometidas em contratar pessoas da comunidade local e comprar produtos da comunidade local.
O que alguns especialistas temem é que operadoras de turismo mais capitalizadas dominem as licitações e tirem oportunidade de desenvolvimento de populações próximas ao parque.
Segundo Bensusan, uma outra preocupação é o diálogo que vinha sendo travado com a sociedade civil agora deu lugar a uma gestão unilateral e apressada por parte do governo federal. Ela defende que sejam feitas mais audiências públicas, por exemplo, para implementar os projetos.
- Se você fizer um processo açodado de concessão do serviço de visitação, você certamente não vai conseguir cumprir o objetivo final dos parques nacionais que é conservar a biodiversidade.
O Globo, 04/12/2019, Sociedade, p. 25
https://oglobo.globo.com/sociedade/especialistas-consideram-concessoes-de-parques-unica-medida-ambiental-positiva-de-bolsonaro-24114680
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