Borracha Nativa: projeto completa 10 anos
Parceria entre a Mercur, comunidades extrativistas e ONGs possibilita exploração da borracha natural a partir de práticas que priorizam o comércio justo e mantém a floresta em pé.
O projeto é uma das formas de viabilizar a conservação da floresta em pé. #pracegover Imagem aérea da floresta e dos rios da Amazônia.
Para preservar a Floresta Amazônica e contribuir com o sustento dos seus povos, a Mercur criou há 10 anos o Borracha Nativa. A iniciativa, viabilizada por meio de parcerias com organizações da sociedade civil, comunidades indígenas e ribeirinhas, garante a compra de borracha natural extraída de seringais nativos da região para a fabricação de diversos produtos. Dessa forma, a Mercur vem contribuindo com a manutenção do modo de vida dos seringueiros, e com a conservação de um mosaico de áreas protegidas no médio Xingu, município de Altamira (PA), com área de 8 milhões de hectares. A parceria também prioriza a melhoria de infraestruturas locais, o aprimoramento de tecnologias e processos extrativistas, além de servir de inspiração para uma rede que busca conectar empresas a cadeias produtivas sustentáveis.
Atualmente, a Mercur compra dois produtos das comunidades extrativistas: o bloco de borracha prensado e a Manta de Borracha Seca (MBS). Eles servem de insumos para a produção de elásticos e borrachas escolares, em sua indústria do outro lado do país, em Santa Cruz do Sul (RS). No primeiro ano do projeto (2010) foram compradas 2,0 toneladas de borracha da região amazônica, chegando a 8,7 toneladas em 2017, ano de produção mais expressiva, representando um aumento de mais de 300%.
Os valores são pagos de acordo com a quantidade produzida e beneficiam diretamente os produtores da Rede de Cantinas da Terra do Meio, que reúne 14 associações indígenas, ribeirinhas e da agricultura familiar na Reserva Extrativista Rio Xingu, Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, Reserva Extrativista Rio Iriri e Terra Indígena Xipaya.
"Com a criação das reservas extrativistas e a chegada de parceiros do mercado, como a Mercur, começamos a encontrar o modelo de trabalhar com os recursos naturais mantendo a floresta em pé", afirma Francisco de Assis, presidente da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Iriri (Amoreri). Para ele, o desenvolvimento do projeto proporcionou ganhos importantes para as comunidades. "A gente sabe que foi uma caminhada muito longa e que sempre temos que melhorar, tudo é um processo. Mas nesses 10 anos o trabalho evoluiu, melhorou, e isso incentivou os jovens a ficar na floresta. O incentivo desse trabalho mudou nosso dia a dia, nossa trajetória e nossa história. Melhorou nossa qualidade de vida", destaca.
Para a empresa, muito além da borracha adquirida, o projeto tem sido uma forma de contribuir e valorizar essas comunidades.
"Os povos da floresta têm sido ignorados e explorados há muito tempo pela nossa sociedade. A partir deste projeto buscamos resgatar um pouco da dignidade merecida pelo serviço que prestam ao planeta, além de fazer com que apareçam e retomem seus direitos como cidadãos na nossa sociedade" afirma Jorge Hoelzel, facilitador da Mercur.
Neste ano, durante a pandemia do coronavírus, todos os contatos e encontros entre a Mercur e os extrativistas aconteceram de modo online. Porém, desde 2010, seus colaboradores costumam ir para os territórios duas vezes por ano para negociações, acompanhamentos e desenvolvimento de tecnologias e novos produtos.
A Semana do Extrativismo é um desses encontros, no qual participam todas as comunidades extrativistas, indígenas e agricultores familiares, membros da Rede de Cantinas; as empresas parceiras e as instituições de apoio. Todos sentam na mesma roda de conversa e definem juntos os preços que serão praticados na próxima safra.
"Trabalhamos por meio de contratos de três anos com as associações locais, renovados a cada ano, que se distinguem dos utilizados no meio empresarial convencional. São termos abertos, escritos à mão, e que não fixam quantidade mínima de fornecimento. Isso porque o extrativista, além de ser o elo mais fraco da cadeia, está à mercê de fatores ambientais que podem impactar a sua capacidade de produção. Dessa forma, esses acordos estabelecem que a quantidade produzida terá a compra garantida e preço justo, que considera todos os custos, despesas, serviços socioambientais e trabalho envolvido", explica o facilitador da empresa.
Para as comunidades, esse modelo de relação comercial é muito importante, pois confere transparência ao processo e motiva o trabalho.
"Eu cortava seringa desde os oito anos até os 20, com meu pai. Eu não sabia pra onde a borracha ia e nem para que servia. Hoje a gente sabe quem é a empresa, para que ela serve e por que a empresa vem até nós para fazer o contrato. Foi muito importante a empresa fazer o negócio direto com a gente. Isso deu garantia para a gente se empolgar e fazer o trabalho", afirma Assis.
Atualmente, a quantidade comprada representa aproximadamente 3% de todo o consumo anual de borracha natural da Mercur. Mesmo que possa ser considerado baixo, a parceria tem um grande valor para a empresa e as comunidades envolvidas.
"Hoje a quantidade é baixa frente ao consumo anual, pois os extrativistas têm a liberdade em optar a qual produto irão se dedicar durante a safra. No entanto, por mais que pareça pouco, essa quantidade de borracha faz a diferença para as famílias que a produzem, garantindo a construção de sua dignidade e auxiliando a manter a floresta protegida. Já para a empresa o valor está em realizar uma contribuição efetiva para o mundo de um jeito bom para todo mundo", destaca Hoelzel.
O Borracha Nativa também serviu como uma espécie de piloto para o modelo de parceria desenvolvido pela rede Origens Brasil®, criada em 2016. Ela tem como objetivo promover negócios sustentáveis na Amazônia em áreas prioritárias de conservação por meio do comércio ético, garantindo a origem, transparência e rastreabilidade da cadeia produtiva. A iniciativa foi concebida pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA), responsáveis por conectar a Mercur com as comunidades extrativistas, indígenas e agricultores familiares e facilitar a comunicação no início do projeto.
"A gente foi experimentando e criando ali os princípios para estabelecer relações e parcerias comerciais éticas. Esses conhecimentos depois foram aplicados no desenvolvimento do Origens e na adesão de outras empresas", explica a Coordenadora e articuladora da rede Origens Brasil®, Patricia Cota Gomes.
Para ela, os resultados do projeto, a adesão de cada vez mais empresas à rede e o engajamento das comunidades, são demonstrações de que as iniciativas estão no caminho certo.
"O Borracha Nativa e o Origens Brasil® demonstram que é possível gerar desenvolvimento para a Amazônia, valorizar seus povos e conservar a floresta. E não estamos falando de uma causa filantrópica, estamos mostrando como as empresas podem, através de seus negócios, compartilhar valor ao longo das cadeias produtivas", destaca Gomes.
Como tudo começou
A ideia do projeto surgiu em 2009 quando a empresa começou a se questionar sobre o seu papel enquanto indústria, e o como poderia trabalhar de uma forma diferente dando mais significado às suas práticas.
"Quando iniciou suas atividades, em 1924, a maior parte da borracha que a empresa utilizava provinha da Floresta Amazônica. Com o passar do tempo, ela passou a perder lugar para as borrachas coletadas em seringais de cultivo, espalhados em outras regiões do Brasil e, inclusive, em outros países tropicais. Ao mesmo tempo notamos que a borracha natural sempre esteve presente, se mostrando uma matéria-prima versátil para os mais diversos produtos que já passaram ou que ainda permanecem no portfólio da Mercur", afirma Mateus Szarblewski, químico da Mercur.
A partir dessa reflexão, a organização buscou compreender a cadeia produtiva da borracha e ali encontrou uma história de resistência que necessitava de aliados.
Guardiões da floresta, os povos indígenas e extrativistas monitoram seus territórios e são os primeiros a avisar as autoridades sobre o avanço da grilagem, do garimpo e do roubo de madeira. Por isso, são os responsáveis por manter as áreas mais conservadas da floresta.
"Hoje, se formos traçar um mapa da região amazônica, será possível notar que grande parte da floresta que permanece conservada é onde há maior presença de extrativistas, pois essas pessoas precisam da floresta em pé para manter o seu sustento e de sua família . Porém há um problema em tudo isso: se os extrativistas não tiverem com quem comercializar os produtos que coletam da mata, não conseguirão se manter, tendo que migrar para a cidade", ressalta Szarblewski.
Tendo conhecimento dessa realidade, a Mercur propôs se aproximar dos povos da floresta, para buscar condições de recriar a cadeia da Borracha Nativa da Amazônia, estabelecendo um modelo de comercialização justo e promovendo a reconstrução da cadeia sustentável da borracha.
Nesse processo, a empresa encontrou grandes aliados como o ISA, o IMAFLORA e as Borrachas Quirino.
"Eles são parceiros que estão desde o início do projeto e ajudam a superar várias adversidades como comunicação com os extrativistas, logística, organização social e assistência técnica. Pode-se dizer que seria inviável pensar no desenvolvimento desse projeto sem essas parcerias", ressalta Szarblewski.
Foram as duas primeiras que estabeleceram a ponte entre a empresa e essas comunidades. Já a Quirino foi a responsável por viabilizar a logística de transporte dos materiais e a transformação do bloco de borracha em Granulado Escuro Brasileiro (GEB), borracha pronta para o uso na indústria.
Para o IMAFLORA, a parceria com a Mercur veio em um momento importante. A organização estava trabalhando nas comunidades extrativistas e procurava estabelecer um modelo de negócio que pudesse ser benéfico para elas e atendesse seu desejo de retomar a comercialização da borracha natural, insumo responsável pela migração de seus antepassados para a região. Porém, a busca por um parceiro era difícil, pois o material produzido pelos seringueiros era mais caro do que aquele produzido em larga escala.
"A borracha produzida por esses povos tem um valor diferenciado, tem uma história, tem um resgate cultural, algo que vai além do produto. Então buscamos um parceiro comercial que nos ajudasse a construir uma nova base de relação que não só assegurasse a compra do insumo, mas que contribuísse para toda a valorização do saber dessas comunidades. Nesse sentido, a Mercur foi um presente para nós", relembra Gomes.
Hoje, a equipe técnica do ISA apoia a Rede de Cantinas da Terra do Meio e trabalha pela busca da autonomia dos povos da floresta. É um papel de emancipação, pela criação de associações de extrativistas capazes de tomarem decisões estratégicas pela comunidade e criar contratos para comercialização de produtos florestais não-madeireiros.
Os químicos da Mercur visitam as comunidades locais e realizam oficinas para a troca de conhecimentos e aprimoramento dos processos. #pracegover Atrás de várias caixas plásticas empilhadas, está um homem conversando e gesticulando para um grupo de pessoas. Foto: Lilo Clareto/ISA
Todas as etapas do projeto buscam interferir o mínimo possível nas comunidades, sua forma de vida e na preservação florestal.
"São tomados diversos cuidados para que o contato com as comunidades tradicionais não venha a prejudicar a cultura local ou incentivar atividades que não contribuam para manter a floresta em pé", explica Szarblewski. "O primeiro passo começa pela criação conjunta de tecnologias considerando os recursos e formas de fazer locais. Tomamos sempre o cuidado para não 'industrializar' a floresta, mantendo o entendimento que a cultura, a forma de fazer local e a possibilidade dos povos tradicionais manterem sua forma de vida ao lado da floresta são os principais resultados do projeto, ficando na frente, até mesmo, da quantidade de borracha produzida", ressalta.
Dessa forma, o resultado desse processo é uma troca comercial que tem um valor que vai além do dinheiro.
"Quando compramos um quilo de borracha de regiões extrativistas, estamos comprando muito mais que borracha, estamos pagando por um serviço ambiental de conservação das florestas e biodiversidade prestado por esses povos tradicionais. Este pagamento é devido por toda a humanidade, uma vez que estes serviços ambientais beneficiam o planeta como um todo", destaca Hoelzel.
Visitando anualmente a Terra do Meio, os colaboradores da empresa podem conhecer um pouco mais sobre a cultura local e a forma de trabalho dos extrativistas. #pracegover Um homem em frente a uma seringueira mostra como faz a coleta do látex a outro homem que está acocado. Foto: Lilo Clareto/ISA
GLOSSÁRIO
Borracha Nativa
É a matéria-prima renovável obtida a partir do látex de seringueiras nativas da Floresta Amazônica.
Origens Brasil ®
O Origens Brasil® é uma rede que promove negócios sustentáveis na Amazônia em áreas prioritárias de conservação, com garantia de origem, transparência, rastreabilidade da cadeia produtiva e promovendo o comércio ético. Atualmente, além da Mercur outras 26 empresas participam da rede que atua em 36 áreas protegidas nos territórios do Xingu, Calha Norte, Rio Negro e Solimões. Além de beneficiar 1890 produtores de 40 etnias, sendo 44% deles mulheres, gerando o comércio de 53 produtos e matérias primas, envolvendo 45 organizações e ajudando a proteger mais de 52 milhões de hectares. No total, o projeto movimenta mais de 8 milhões ao ano nessas comunidades.
Povos da floresta
São indígenas e populações tradicionais, como quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e agricultores familiares. O modo de vida desses povos e comunidades garante o manejo e proteção das florestas que, por sua vez, regulam o clima, produzem a chuva e abrigam a maior biodiversidade do planeta, fonte de novos medicamentos e curas.
Reserva Extrativista
As Reservas Extrativistas (RESEX) são espaços territoriais protegidos cujo objetivo é a proteção dos meios de vida e a cultura de populações tradicionais, bem como assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da área. O sustento destas populações se baseia no extrativismo e, de modo complementar, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte.
A área das RESEX pertence ao domínio do poder público, com uso concedido às populações extrativistas tradicionais. As áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei. A visitação pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e com o disposto no plano de manejo da unidade, assim como a pesquisa científica, que é permitida e incentivada, desde que autorizada pelo órgão ambiental responsável.
Fonte: ISA
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Florestas:Extrativismo
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