Fracassou uma tentativa de conciliação entre povos indígenas, agricultores familiares e cooperados em torno da exploração madeireira na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, no oeste do Pará. Na manhã de terça-feira (4), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (STTR) de Santarém e o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita) se reuniram com as cooperativas Coorpermaró e Cooperrios. O diálogo tenso terminou sem nenhuma deliberação. Os cooperados, que desde segunda-feira (3) ocuparam a sede do STTR, decidiram interromper uma possível negociação e, agora, caberá às instâncias jurídicas decidirem sobre o caso.
As Cooperativas Mistas Agroextrativistas do Rio Maró (Coopermaró) e das Comunidades e Aldeias da Resex Tapajós Arapiuns (Cooperrios), que estão em distintas fases de manejo madeireiro, se posicionam a favor da continuidade das atividades na reserva, situada entre uma área que compreende os municípios paraenses de Aveiro e Santarém.
O impasse se dá em torno da ação civil pública (ACP) movida pela STTR e pelo Cita contra o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia do Ministério do Meio Ambiente. O ICMBio suspendeu as atividades madeireiras na reserva no último dia 30 de abril, mas já deixou claro seu interesse em permitir o plano de manejo florestal sustentável dentro da Resex. Os povos tradicionais entendem que se alguma forma de manejo for liberada, madeireiras da região serão contratadas para realizar esse serviço de forma camuflada.
Já os cooperados entendem que atividade de manejo madeireiro pode ser realizada mesmo sem a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e agricultores familiares que vivem na reserva.
O Cita se opõe. "Esse direito (a consulta) a gente não abre mão, em hipótese nenhuma, principalmente em um cenário que todos os outros direitos estão sendo atacados", afirmou Auricélia Arapium, vice-coordenadora do Cita, organização que representa os 13 povos indígenas do Baixo Tapajós. "A Resex é um território coletivo de indígenas e outras populações tradicionais. A gente não está discutindo aqui etnicidade, estamos discutindo direitos."
O ICMBio afirma que defende "veementemente" a necessidade de consulta às comunidades tradicionais e aos povos indígenas referente a qualquer processo, projeto ou política pública que possa afetá-los. Mas, na compreensão do órgão federal, é suficiente que essa decisão seja feita junto aos Conselhos Comunitário e Deliberativo, sem a necessidade da consulta nos moldes exigidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na prática, corre-se o risco de eliminar a voz de 78 comunidades tradicionais (inclui também pescadores e ribeirinhos) da reserva.
"Se a gente entender que o projeto madeireiro não passou pelo processo consultivo, vamos ter que brecar todos os outros projetos que estão em execução hoje, projetos de produção de látex, Programa Luz Para Todos, entrepostos de carga e de supressão da vegetação dos comunitários", afirma Maurício Santamaria, chefe da Resex Tapajós-Arapiuns pelo ICMBio. "A nossa preocupação é travar a Resex toda, porque todos os projetos foram por alvo de consulta, da mesma forma dos madeireiros. Não podemos ter o crivo de um projeto e não pelos outros."
O que é o manejo madeireiro
Presente no plano de manejo do ICMbio da Resex Tapajós-Arapiuns, a Zona de Manejo Florestal Comunitários Sustentável (ZMFCS) é uma área destinada ao uso sustentável dos recursos florestais, tais como a madeira e outros produtos não-madeireiros (cipós, seringa, castanha, frutos, sementes, óleos etc). Essa área ocupa 27,69% da Resex e teria a função de servir como um "cinturão de proteção".
Em uma Resex, é permitido o manejo comunitário madeireiro e não madeireiro dentro dos parâmetros legais, e está entre os dez subprogramas permitidos na cadeia produtiva. Para que ocorra essa atividade, é preciso mapear as comunidades interessadas e viabilizar apoio técnico e assessoria para implantação de planos de manejo florestal comunitários.
Mas, ainda assim, as madeireiras acabaram encontrando uma forma de avançar sobre essas áreas protegidas. O que está ocorrendo com os Planos de Manejo Florestal Comunitário Sustentável de Uso Múltiplo, implementados pelas cooperativas, especificamente a Cooprunã, é a terceirização dos serviços. Isso porque as cooperativas ainda não têm o conhecimento para comercializar as toras de madeira e seus beneficiamentos são realizados externamente.
"Precisamos contratar empresas para fazer a extração da madeira, não temos o maquinário, não temos dinheiro pra isso", confirmou um dos cooperados da Cooprunã, que preferiu não se identificar à reportagem da Amazônia Real.
Os cooperados, que falam abertamente, dizem que estão sendo confundidos como grandes madeireiros, e demonstraram indignação afirmando que a exploração madeireira é realizada de forma comunitária. Segundo eles, os mecanismos legais estabelecidos pelo plano de manejo, que concentra as decisões no Conselho Deliberativo, são todas respeitadas.
"Não existem madeireiros aqui, estamos lutando por aquilo que é nosso. Se for pra favorecer a consulta prévia, vamos fazer, queremos que eles tirem essa ACP contra as cooperativas. Não estamos só trabalhando com madeira, mas com outras cadeias produtivas. Como é que vamos viver sem o que nós fazemos? Estamos em uma pandemia", afirmou Elcivan Souza, secretário da Coopermaró.
A ação civil pública
Em novembro de 2020, a Tapajoara, uma organização "mãe" da Resex Tapajós Arapiuns e detentora da concessão do direito de uso da área, convocou uma reunião com o conselho deliberativo (Condel) da Resex, para deliberar, entre outras pautas, a autorização de manejo da Coopermaró.
A convocação ignorou a crise sanitária do coronavírus, uma vez que a reunião previa a aglomeração de no mínimo 300 pessoas, segundo a norma estatutária. Foi quando o Cita e o STTR entraram com a ACP para barrar tanto a reunião quanto a aprovação do plano de manejo em favor da Coopermaró.
O pedido foi parcialmente atendido em decisão liminar em novembro, mas foi revogada pelo próprio juiz em 26 de abril. Nessa reviravolta, o julgador entendeu que a participação do STTR e de comunidades indígenas no Condel já caracterizaria uma forma de consulta prévia. Dois dias após, em 28 de abril, o STTR e o Cita recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O desembargador Souza Prudente concedeu uma liminar favorável aos povos tradicionais, proferida no último dia 30.
Essa decisão, em segunda instância, provocou a revolta dos cooperados, que ocuparam a sede do STTR. "Vamos articular para desvincular da Resex. Isso já era pra ter acontecido, porque a Resex garante terra pro povo e a gente não pode usufruir. A gente vai se retirar e vamos sair e vamos partir para outra decisão", afirmou indignado o presidente da Cooprunã, Manoel Edivaldo, no fim da reunião da sede do STTR no dia 4.
O avanço das madeireiras
A Tapajós Arapiuns foi a primeira reserva extrativista criada no estado do Pará, com extensão de 647.610 hectares. Diversas comunidades que ocupavam a margem esquerda do rio Tapajós se organizaram para evitar o avanço da empresa madeireira Amazonex na região. Na mesma época, outra madeireira, a Santa Izabel, começou a explorar a região do rio Arapiuns. Foi durante a resistência contra essas empresas que a Resex ganhou força para ser criada em 1998.
"A gente preza muito pelo nosso território e pela história de resistência. Uma floresta não demora menos de 30 anos para se estabelecer, e nos entristece saber que as nossas crianças estão com o futuro comprometido por conta da extração de madeira. A gente vai continuar buscando o diálogo de acordo com os protocolos de consulta. Agora está no MPF em Brasília e não depende mais de nós", explica Ednei Arapium, presidente do Cita.
https://amazoniareal.com.br/uso-da-resex-tapajos-arapiuns-e-judicializado/
UC:Reserva Extrativista
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