Presidente do conselho que reúne onze unidades de conservação na área do Rio Negro demonstra preocupação com a possibilidade do PL da Grilagem beneficiar latifundiários em vez de pequenos produtores
Presidente do Conselho do Mosaico do Baixo Rio Negro, organização que abrange onze unidades de conservação, Marco Antônio Vaz de Lima alerta que o PL da Grilagem, que amplia a possibilidade de regularização fundiária de terras da União sem vistoria presencial do Incra, pode favorecer empresários e latifundiários em detrimento das populações tradicionais que habitam essas reservas.
A proposta foi aprovada pela Câmara de Deputados e ainda será analisada no Senado. A preocupação de ambientalistas é que o projeto abre caminho à regularização de terras federais ocupadas ilegalmente por grileiros e desmatadores, permitindo a eles o título das propriedades. A seguir trechos da entrevista com Marco Antônio, que atua como gestor da Reserva de Desenvolvimento Sutentável (RDS) do Tupé.
O que é o Mosaico do Baixo Rio Negro?
O Mosaico do Baixo Rio Negro é um grande território que tem mais ou menos sete milhões e meio de hectares. É uma área imensa. Essa área nós temos onze Unidades de Conservação (UC), sendo sete unidades de conservação estadual de gestão estadual, três unidades de conservação de gestão federal e uma unidade de conservação, de gestão municipal, que no caso é a RDS do Tupé. Esse imenso território tem um conselho consultivo e isso foi [criado] a partir da uma portaria do Ministério do Meio Ambiente em dezembro 2010. A partir daí foi reconhecido o território do Mosaico do Baixo Rio Negro e foi criado o conselho. Uma das principais funções é a gestão integrada.
Quantas pessoas vivem nessas regiões e quais as principais fontes de renda?
Nesse território nós temos mais de cinquenta comunidades. Você imagina um conselho que tem, se eu não me engano, quinze representações para representar todas essas comunidades. E nessas comunidades tá incluso uma série de pessoas que trabalham de diversas formas. Temos pescadores, ribeirinhos, agricultores, extrativistas, uma série de povos que habitam essa região. Se você fizer um apanhado dessa população, você vai ver que tem muita gente que hoje em dia está aposentada, são trabalhadores rurais. Nós temos nesse meio agente de saúde, professores. Temos alguns outros servidores públicos aposentados. Temos as pessoas que sobrevivem dos auxílios governamentais, principalmente, do Bolsa Família, Bolsa Floresta. Tem muita gente fazendo turismo e cada vez mais nós que estamos trabalhando diretamente nesse território temos tentado incentivar a questão do turismo.
Como foi a vida dessas pessoas durante a pandemia?
Eu tenho muito conhecimento da zona rural de Manaus e costumo dizer que pessoal que mora na zona rural de Manaus parece que vive em outro planeta, não vive no planeta Manaus urbano. As pessoas negligenciam essas pessoas. Já é difícil o cotidiano, imagina com essa pandemia (...). Conseguimos levar muitas cestas, receber muitas cestas de muitas organizações elevar principalmente pras comunidades indígenas que estavam, e ainda estão, em uma situação de muita vulnerabilidade. Foi um momento de muita dificuldade, mas eu creio que isso está passando.
Que tipos de atividades de turismo comunitário são desenvolvidos nas UC?
O turismo é pra mim uma grande alternativa que esse território tem, por conta de todas as belezas que existem nesses territórios, belezas cênicas, seja o rio, os igarapés, os lagos, as cachoeiras, a toda exuberância da nossa floresta, da nossa fauna. As comunidades têm procurado, essas que tem mais aptidão, trabalhar de uma forma utilizando trilhas, sejam elas trilhas terrestres, trilhas aquáticas, a questão do artesanato, tanto do preparo com a venda desse artesanato, a questão do cotidiano diário das comunidades, seja na questão do plantio, dos seus roçados seja na confecção, por exemplo, de fazer farinha utilizando a mandioca. Tudo isso é explorado na questão do turismo comunitário. Tem muitas possibilidades. É claro que tem comunidades que já têm, uma ou outra, casas dos próprios comunitários que recebem alguns turistas, tem uma comunidade ou outra que tem uma pousada e é mais ou menos isso. Com o grande potencial para melhorar cada vez mais.
A pandemia afetou de qual forma a rotina nesses locais? Como está a preparação para retorno às atividades?
A gente tem que falar de duas coisas, principalmente, uma delas é o conselho. No ano passado o conselho só conseguiu fazer uma reunião, em novembro 2020, porque senão a gente passava o ano todo sem reunião, e foi uma reunião totalmente diferente. Uma reunião praticamente toda virtual. Todo mundo das suas casas e foram poucos comunitários que conseguiram chegar lá no espaço FVA, em Novo Airão. Nesse ano nós já estamos em agosto e vamos ter a primeira reunião do conselho que vai ser uma reunião híbrida. Nas atividades, por exemplo, temos o projeto Rotas e Pegadas executado pela Fundação Vitória Amazônica (FVA) com recursos do Projeto Legado Integrado da Região Amazônica (Lira), do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), que o executor financeiro é o OIP, que recebe recursos do Fundo Amazônia e da Fundação Gordon e Betty Moore. Esse projeto era para estar rodando desde o ano passado e a gente não conseguiu ainda e estamos começando as atividades agora. Algumas atividades, bem pequenas, estão sendo feitas presencialmente, inclusive teve alguma atividade a cerca de um mês atrás que o pessoal foi nas comunidades, um grupo pequeno já fazendo atividade presencial nas comunidades, mas com todos os cuidados, tentando respeitar os protocolos o máximo possível.
Como o senhor vê as mudanças na legislação ambiental? Consegue observar algum desmonte na fiscalização dessas áreas?
Esse movimento é muito preocupante. Ele fragiliza todo esse engajamento de muitos anos que a gente vem lutando. Essa coisa de você extinguir os conselhos, as representações da organização social, é muito preocupante, mas a gente não pode baixar a cabeça. Temos que seguir adiante. Quando os piores momentos surgiram, a partir de 2019,agente sempre procurou estar unido e coeso. Mesmo que hoje boa parte desses conceitos tenham sido até extintos legalmente por aquele famigerado decreto do governo federal, mas a gente, enquanto grupo engajado dentro desse território jamais se desuniu. Todas as pessoas que participam desse movimento estão engajados para continuarmos unidos e coesos, porque nós estamos passando um momento e eu acredito que isso vai passar em outros momentos as coisas poderão, espero que sim, melhorar e a gente possa retomar muitas coisas. É sempre um desafio trabalhar com Unidade de Conservação, porque a gente contraria muitos interesses, mas eu também sou partidário de que a gente não pode só dizer não para as pessoas. A gente tem que dizer: olha você não pode fazer desse jeito, mas eu te ofereço essa alternativa. Tem que ter sempre um equilíbrio. Não pode só dizer não, porque seria muito confortável.
A alteração mais recente que afeta as UCs foi o PL da Grilagem. O senhor chegou a acompanhar esse debate?
Eu acompanhei. É sempre preocupante porque vivem falando que vão delimitar a Unidade de Conservação quando se fala em redelimitar sempre é para diminuir tamanho, há possibilidade de territórios importantes ficarem desprotegidos. É sempre preocupante, porque isso pode estar abrindo portas para aumentar todo esse conflito fundiário da Amazônia que é sempre um gargalo. Eu que trabalho como gestor da RDS do Tupé padeço diariamente por essa situação. As pessoas não têm suas terras regularizadas. O poder público não tem interesse em resolver isso, não com a celebridade que eu acho que deveria ter, e as pessoas que são realmente aquelas que estão na ponta e que realmente precisam acabam sendo prejudicadas. Quando você abre essas possibilidades desse instrumento do governo federal você está podendo abrir a possibilidade para esses grandes empresários, grandes latifundiários, darem as cartas e isso ficar cada vez mais difícil e as pessoas que realmente estão lá, que são os moradores tradicionais, as pessoas que estão lá na terra, que cultivam, que tem sua vida ali, nem sempre conseguem se regularizar e ter a sua situação resolvida. Até ela poder acessar algum benefício governamental, algum financiamento e tudo. É sempre preocupante, mas a gente está aqui tentando ajudar para que essas coisas, por mais que aconteçam, mas aconteçam de uma forma mais suavizada e não com aquela história de passar o trator e acabar com tudo.
Como tem sido o recrutamento de lideranças nessas comunidades?
Isso sempre é um grande desafio: a formação de novas lideranças, porque a gente já tem uma caminhada e vai chegar um tempo que daqui a pouco alguns vão se aposentar e ninguém sabe se vai poder continuar se dedicando ao trabalho e formar novas lideranças sempre, É complicado, até porque as lideranças um dia vão desaparecer e esse conhecimento, essa experiência não é permitida corre o risco de serem perdidas. Sempre é um desafio. Eu trabalho nessa região do baixo Rio Negro desde 97, e ao longo desse trabalho a gente vai conseguindo conhecer melhor a região, conhecer as comunidades, conhecer as pessoas e pedindo para que as pessoas se engajem nessa missão, da questão ambiental, da sustentabilidade.
Ao longo desses anos a gente tem conseguido ajudar muito. Eu não tenho nenhuma arrogância de dizer que eu seja isso, seja aquilo e fazer meu trabalho de formiguinha como muitos outros amigos também fazem dessa forma e assim tentando ajudar essa região a de alguma forma se desenvolver sem perder o seu real encanto que é a questão da preservação dos recursos naturais, da flora, da fala de recursos hídricos e a gente vai tentando ajudar nesse sentido.
Como é a relação de vocês com os órgãos de fiscalização?
O entendimento é tranquilo, mas, agora, são bastante precárias as fiscalizações sim, que praticamente não existiram nesse período da pandemia. Eu não posso falar pelo órgão estadual, que é o Ipaam, mas eu sei que ele atua em comum acordo com a Sema estadual. Sei que o ICMBio faz as fiscalizações, mas com o apoio do Ibama que é o órgão de fiscalização federal e o no caso da Semmas quem faz as fiscalizações é o nosso próprio pessoal. É tranquilo a relação só não é muito efetiva.
Como está o processo de vacinação nessas áreas de conservação?
As comunidades ribeirinhas boa parte já estão todas vacinadas com primeira e segunda doses, principalmente, os idosos e as pessoas que não estão nesse grupo de idades mais baixas já pelo menos primeira dose já tomou e a perspectiva é que não vai demorar muito toda essa zona rural não só de Manaus, mas desses outros municípios. Eu não posso falar pelos outros que eu não acompanho diretamente, mas eu tenho a impressão que eles estão essa mesma pegada de Manaus.
https://www.acritica.com/channels/cotidiano/news/e-um-desafio-trabalhar-com-unidades-de-conservacao
Recursos Hídricos:Abastecimento
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