Privatização do Petar põe em risco comunidades tradicionais de SP

UOL/Ecoa - https://www.uol.com.br/ecoa/ - 12/12/2022
Privatização do Petar põe em risco comunidades tradicionais de SP

Rafaela Santos
Colaboração para Ecoa, do Quilombo de Porto Velho (Iporanga/SP)
12/12/2022 06h00

O Vale do Ribeira, ao sul de São Paulo, abriga e é abrigado por centenas de territórios de Povos e Comunidades Tradicionais, entre Caboclas, Caiçaras, Indígenas Guaranis Mbyás e Quilombolas. Nossos cuidados ancestrais mantêm vivo 21% do que resta da Mata Atlântica preservada no país.

Mesmo que nossa luta por reconhecimento político tenha alguns avanços, que vão da COP27 ao tema da redação do ENEM, as nossas vivências ainda são marcadas por conflitos e desafios na implementação de direitos.

Nossos territórios ainda não foram titulados, nossos manejos tradicionais da natureza são cotidianamente criminalizados e temos nossas existências ameaçadas pelo estabelecimento de Unidades de Conservação em sobreposição aos nossos territórios, que pressionam pela expulsão de nossas famílias.

Políticas ambientalistas racistas não reconhecem que nossas vivências nos territórios tradicionais coletivos são mais eficazes na preservação ambiental do que a instituição de Unidades de Conservação. Exemplo é o que ocorre há mais de 50 anos em função da sobreposição do Petar (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira) a territórios quilombolas e caboclos.

O Petar está prestes a ser concedido concedido a uma empresa privada por 30 anos. Enquanto o estado de São Paulo acelera a privatização, comunidades tradicionais que sofrem sobreposição do parque padecem com a falta de ação do poder público.

O Quilombo Bombas, sobreposto pelo Petar, não conta com acesso por estradas em função das dificuldades políticas de licenciamento ambiental na Unidade de Conservação, mesmo havendo decisão liminar vigente há sete anos obrigando a construção do acesso viário. Ali também não há energia elétrica, como na Comunidade Cabocla de Ribeirão dos Camargos, que tem seu território também sobreposto pelo parque.

Além desses e outros problemas no acesso a direitos fundamentais em nossas comunidades, gerados pela sobreposição do Petar, a iniciativa do governo em conceder o parque à exploração do turismo por grandes empresas acentuará as desigualdades e afrontará novamente nossos modos de vida.

Essa iniciativa está fundamentada na Lei no 16.260/2016, que autorizou o estado a conceder à iniciativa privada a exploração madeireira e do turismo no Petar. A lei, entretanto, ignorou o direito de consulta livre, prévia e informada garantido pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) às comunidades tradicionais.

No projeto, nossas comunidades são tratadas como objeto do turismo, ao lado de igrejas, cachoeiras e cavernas. Ao mesmo tempo que incluiu parte de nossos territórios tradicionais na proposta de privatização, impede que nossas comunidades possam explorar diretamente o turismo.

Avaliamos coletivamente que o atual modelo de concessão não representa nossos interesses e direitos, além de excluir e não reconhecer o nosso povo enquanto sujeitos. Tem também o potencial de afetar de forma negativa nossos modos de vida e nosso desenvolvimento. Os impactos já são observados antes mesmo da concretização do projeto, como o banzo que afetou nossos ancestrais.

Exigimos reparação histórica pelas opressões sofridas. Queremos continuar a manter nossos modos de vida e, ao mesmo tempo, desenvolver social, ambiental e economicamente nosso povo.

É obrigação legal e histórica que o estado nos apoie na superação das desigualdades. Qualquer projeto que envolva o Petar deve ter como centralidade a necessidade de viabilizar reparação da dívida histórica do estado para com nosso povo.

Continuaremos unidas e em luta para defender nossos direitos.

Rafaela Santos é do Quilombo de Porto Velho (Iporanga/SP), advogada popular especialista em Direito Socioambiental, integrante da EAACONE (Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira), do Coletivo Jurídico da CONAQ (Coordenação Nacional Quilombola) e do Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira FPCT-VR.


https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/opiniao/2022/12/12/privatizacao-do-petar-poe-em-risco-comunidades-tradicionais-de-sp.htm
Quilombo

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