Xingu vai testar modelo de concessão florestal

Valor Econômico - https://valor.globo.com/ - 14/03/2025
Xingu vai testar modelo de concessão florestal
Contrato permite venda de créditos de carbono, mas exige investimento nas comunidades locais

Ana Lucia Azevedo

14/03/205

A unidade de conservação mais desmatada do Brasil será a primeira a experimentar um novo modelo de concessão pública privada para restaurar a Floresta Amazônica e gerar emprego e renda por meio da venda de créditos de carbono. Uma parcela de 10,3 mil hectares da Área de Preservação Ambiental Triunfo do Xingu, no Pará, será oferecida para propostas de empresas na B3, no dia 28.

Essa é a primeira vez que uma unidade de conservação pública será concedida à iniciativa privada para restauração e exploração de créditos de carbono. Num contrato de 40 anos, a empresa concessionária licitada terá que começar do zero e restaurar a área, na qual a Floresta Amazônica deu lugar a um pasto.

O contrato permite a venda de créditos de carbono, mas compromete a empresa a investir nas comunidades de entorno. A exploração sustentável de madeira de espécies nativas na área restaurada também será permitida, além da possibilidade de gerar receitas com outros serviços ecossistêmicos.

O governador do Pará, Helder Barbalho, destaca que a escolha da área tem importância prática e simbólica. "Essa área foi grilada e o Estado conseguiu na Justiça reaver o território público. Por ser uma APA, era necessária a recuperação da floresta", disse. "O Pará dará a primeira oportunidade ao Brasil de concessão para restauração em áreas públicas. Temos certeza que representará um novo paradigma para restaurar áreas de floresta. Mas também é um projeto simbólico por se tratar de grilagem em área de proteção ambiental, por ser na área do Estado que mais sofre pressão pela entrada da pecuária em floresta."

Ele ressalva que o projeto é importante para o Estado, mas também traz o setor privado para uma opção rentável. "Trata-se de uma concessão de 40 anos, com movimentação de R$ 1,5 bilhão nesse período e rentabilidade de R$ 250 milhões aos investidores privados. Haverá a criação de 2 mil empregos no território, em atividades como produção de mudas, plantio", comentou.

A iniciativa foi possível após uma mudança na lei de gestão de florestas públicas, feita em 2023. Até agora, concessões eram dadas apenas para a exploração manejada de madeira em florestas públicas federais e estaduais (Flonas e Flotas).

O edital prevê que a empresa vencedora do processo de licitação deverá investir R$ 258 milhões na instalação e na operação da concessão. A estimativa é que 3,7 milhões de toneladas de carbono serão sequestradas. Isso equivale, por exemplo, a 330 mil voltas de avião ao redor do planeta. O Brasil, só em 2023, emitiu 2,3 bilhões de toneladas de gases estufa.

Mas a área é só um primeiro passo de um modelo que especialistas veem como promissor restaurar a Amazônia em escala e virar a chave no processo de desmatamento. "Não adianta só deter o desmatamento, tirar o grileiro. É preciso dar uma opção que substitua a economia que gira em torno do desmatamento. O contrato prevê que parte da receita volte para o território, em empregos, investimentos sociais e de infraestrutura", afirma Olavo Tatsuo Makiyama, gerente de áreas públicas na Amazônia da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, que junto com um consórcio de consultorias deu apoio técnico à estruturação do programa de concessão.

O projeto contempla, além da criação de empregos, instalação de posto policial, construção de escola e unidade de saúde.

Até a COP30, mais áreas federais e estaduais poderão estar num portfólio de concessões do tipo, parte do pacote de iniciativas brasileiras de restauração e desenvolvimento sustentável da Amazônia. Na mesma APA Triunfo do Xingu já estão selecionadas outras áreas desmatadas e griladas que devem ser colocadas em breve para concessão, totalizando mais 20 mil hectares.

O governador Helder Barbalho estima que o anúncio poderá ser feito ainda neste mês.

Na esfera federal, está em estudo no TCU o projeto de concessão de 98,3 mil hectares da Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia, para manejo florestal sustentável. Desse total, 14,3 mil hectares serão para restauração.

O BID estuda a possibilidade de financiar uma garantia para o projeto em Triunfo do Xingu, diz Carolina Lembo, especialista de parcerias público-privadas do banco. E o BID Invest analisa colocar uma carta de interesse para o setor privado. Segundo Lembo, o BID acredita no modelo de concessão para impedir o desmatamento e viabilizar a restauração.

Karen Oliveira, diretora de Políticas Públicas e Relações Governamentais da TNC, explica que a parceria pública privada permite dar escala à restauração e cria um mecanismo financeiro sólido e com segurança jurídica e monitoramento.

"Mas acho que um aspecto fundamental é gerar renda para quem vive na Amazônia. No caso, são pequenos produtores rurais do entorno da APA", afirma.

Leonardo Sobral, colíder da Força-Tarefa Concessões Florestais da Coalizão Brasil, enfatiza que o modelo se adequa a APAS, Flonas, Flotas e poderá ser empregado também em florestas públicas não destinadas, hoje os principais alvos para desmatamento e grilagem.

"Combater o desmatamento é essencial, mas para interromper o ciclo de devastação é preciso muito mais. O desafio é oferecer uma alternativa de renda para as comunidades e municípios. Restaurar é caro. Esse tipo de modelo, a princípio, atende a essas premissas", afirma Sobral, que também é diretor de Florestas e Restauração do Imaflora.

Autora de estudos de referência sobre o impacto do desmatamento e restauração da Amazônia, a ecóloga Ima Vieira, do Museu Paraense Emílio Goeldi, frisa que não existem soluções únicas para conservar a Amazônia, mas que todas precisam ter uma sólida base social. Em projetos tão longos, ela acrescenta que os mecanismos de monitoramento são essenciais.

Terra arrasada para restaurar não falta. Oliveira diz que só no Pará há 5 milhões de hectares de florestas degradadas para restauração.

A área escolhida para a primeira concessão é carregada de simbolismo. A APA Triunfo do Xingu, no sudoeste do Pará, é de longe a com maior desmatamento acumulado, mostram dados do Prodes/INPE. Situada na Terra do Meio, ela é a unidade de conservação mais devastada do Arco do Desmatamento.

Desde 2008 perdeu 4.372 quilômetros quadrados de florestas, ou 34,87% do total. É uma gigante, com 16.792,8 km2, nos municípios de Altamira e São Felix do Xingu. Ou seja, 14 vezes maior, por exemplo, que o município do Rio de Janeiro e 11 vezes maior que a capital de São Paulo.

Na verdade, a criação da unidade de conservação estadual, em 2006, não deteve a derrubada da floresta, intensa desde o início deste século, mostra o estudo "A ineficácia da Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu em conter o desmatamento na Amazônia brasileira", publicado na revista "Geografia Ensino & Pesquisa". Um dos objetivos desse modelo de concessão é justamente fortalecer a proteção contra desmatadores.

A abertura de pastagens é o principal motor da destruição nessa parte do Xingu. E o caso da área que agora será licitada e foi renomeada como Unidade de Recuperação Triunfo do Xingu é exemplar do processo de grilagem e devastação que cupiniza a Amazônia.

"Temos expectativa positiva de que no dia 28 o Pará assistirá um capítulo importante de sua estratégia ambiental e econômica. Uma solução que também é relevante para o Brasil", afirma Helder Barbalho.

https://valor.globo.com/brasil/cop30-amazonia/noticia/2025/03/14/xingu-vai-testar-modelo-de-concessao-florestal.ghtml
UC:APA

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Triunfo do Xingu
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.