Tocantins tenta reduzir area de protecao

FSP, Ciencia, p.A10 - 06/04/2005
Ministério Público Federal contesta lei de autoria do governador que reduz em 89% reserva entre cerrado e Amazônia
Tocantins tenta reduzir área de proteção
Silvio Navarro
Adriana Chaves
Da agência Folha
O Ministério Público Federal do Tocantins contesta na Justiça uma lei de autoria do governador Marcelo Miranda (PSDB) que determinou a redução de 89% da APA (Área de Proteção Ambiental) Ilha do Bananal/Cantão.
Segundo o Ibama, que encampa a ação da Procuradoria da República, a área funciona como uma espécie de escudo ao norte da maior ilha fluvial do mundo.
A ação, impetrada na 2ª Vara da Justiça Federal, também obteve o apoio de engenheiros ambientais da Universidade Federal do Tocantins e entidades ambientalistas. Eles argumentam que a mudança gerará impacto negativo sobre o Parque Nacional do Araguaia (562 mil ha) e as reservas indígenas (1,4 milhão de ha).
A APA Bananal/Cantão possui 1,7 milhão de ha e integra um projeto ainda em fase de conclusão para delimitar um corredor ecológico que englobaria seis unidades de conservação, num total de 2,7 milhões de ha protegidos.
Com a nova demarcação do governo do Tocantins, a área de preservação fica reduzida a 185.425 ha, um corte de 89%. O governo estadual argumenta que a alteração nos contornos atende a um pedido da população dos pequenos municípios que inflam às margens da antiga APA e querem ampliar suas lavouras.
O deputado José Augusto Pugliesi (PP), que defendeu o projeto na Assembléia Legislativa, disse também que o Estado não tem mais condições de fiscalizar a ampliação das fronteiras agrícolas.
Para o procurador da República no Tocantins Adrian Pereira Ziemba, autor da ação judicial, o governo estadual cedeu à pressão do agronegócio, especialmente à expansão das lavouras de soja, e desprezou um estudo técnico sobre preservação da área.
"A redução tende a ser uma supressão. A área reduzida acabará sobreposta à de amortecimento do Parque Nacional [do Araguaia]", afirmou Ziemba.
O diretor-técnico da ONG APA-TO (Alternativas para a Pequena Agricultura do Tocantins), Paulo Rogério Gonçalves, disse que "o Tocantins já é o quinto Estado com o maior índice de tensão no campo, e isso tem relação com a expansão da soja".
A alteração dos limites da APA foi feita por meio de projeto enviado e aprovado em sessão extra na semana passada pela Assembléia Legislativa. Em seguida, o texto foi sancionado pelo governador e publicado na sexta-feira no "Diário Oficial" do Estado.
Ontem, cerca de 300 estudantes da Universidade Federal do Tocantins protestaram em frente à sede da Assembléia, reclamando de omissão dos deputados. Dos 24 parlamentares da Casa, apenas dois se opuseram ao projeto.
Biodiversidade
A região sudoeste do Estado do Tocantins possui rara diversidade biológica, por se tratar de uma zona de transição entre o cerrado e a floresta amazônica.
O departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Tocantins divulgou manifesto ontem no qual lista espécies de ave e da fauna aquática que sofrerão com o encolhimento da área de preservação.
O documento cita, por exemplo, seis espécies de ave ameaçadas de extinção, entre elas o jacu-de-barriga-castanha (Penelope ochrogaster) e o pica-pau-de-coleira (Celeus torquatus).
Segundo a Funai, na região da ilha do Bananal vivem dois grandes povos indígenas, os javaés (850) e os carajás -2.500 ao longo de todo o rio Araguaia-, além da pequena comunidade dos avás-canoeiros (nove), também chamados de "caras-pretas".
Na ação, o Ministério Público menciona ainda a existência de projetos implementados na região com subsídio de órgãos internacionais, como, por exemplo, um convênio de R$ 750 mil do DFID (Departamento para o Desenvolvimento Internacional, em inglês), do governo britânico, para financiar equipamentos de um projeto socioambiental na região.

Outro lado
População pediu redução da área, diz governador
O governador Marcelo Miranda (PSDB-TO) informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a redução da APA Ilha do Bananal/Cantão atendeu a "um pedido de moradores da região", que alegaram que a medida impedia o desenvolvimento dos municípios.
Apesar de já ter sancionado a lei no 1.558 na última sexta-feira, Miranda disse que acatará a decisão judicial. O governo e o Naturatins (Instituto Natureza do Tocantins) responderam ao pedido de explicações da Justiça e aguardam um posicionamento nos próximos dias. Um dos defensores da proposta do governo, o deputado José Augusto Pugliesi (PP) acredita que a redução da APA é uma forma de "tirá-la do papel" e conseguir novos recursos para projetos na região.
"Essa área de preservação foi criada em 1997, mas nunca pôde ser efetivamente implantada em razão do gigantismo da área. Criou-se essa APA como amortecimento, para a busca de recursos futuros." Pugliesi disse que a elaboração desses projetos exige um estudo detalhado do solo, feito em cada hectare da APA. "Numa área muito grande não dá para financiar esses estudos."
A assessoria de imprensa do Naturatins informou que a APA foi "superdimensionada", dificultando a fiscalização, e que o Bird (Banco Interamericano de Desenvolvimento), um dos financiadores de programas da região, aprovou sua redução. (AC)

Arroz ameaça aves nativas, diz estudo
Estudo realizado na Área de Proteção Ambiental Ilha do Bananal/Cantão identificou 3.334 impactos ambientais provocados por projetos hidroagrícolas, 90% deles negativos.
Os resultados integram a tese de doutorado de Iracy Coelho de Menezes Martins, do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Tocantins. Ela estudou os impactos do da agricultura irrigada de arroz na planície do rio Araguaia durante quatro anos.
Para Martins, caso a parte suprimida da área de proteção ambiental seja utilizada para o agronegócio, especialmente para o cultivo de arroz e soja, haverá uma "ampliação dos efeitos que aconteceram nas áreas já estudadas".
"Se o governo pretender fazer o mesmo uso [hidroagrícola], que é uma vocação da região, vão continuar existindo os mais de 3.000 impactos. A menos que não sejam tomadas medidas mitigadoras, isso poderá ser potencializado."
"O que mais nos preocupa é o desequilíbrio ecológico pela redução da biodiversidade -toda uma cadeia trófica [referente à nutrição] contaminada pelo uso intensivo de pesticidas- e a questão do ciclo hidrológico, que é completamente alterado."
De acordo com Martins, o efeito ocorre porque esse tipo de projeto remove o ambiente natural. "Já constatamos seis aves em extinção e 12 endêmicas [nativas] que sofrerão efeitos."
A alteração no regime hidrológico ocorre porque na agricultura irrigada os alagamentos -que hoje acontecem de quatro a seis meses por ano- passam a ser contínuos o ano todo, afetando os lençóis freáticos.
"Dentre as primeiras mudanças drásticas que já aconteceram estão o afundamento de vários segmentos de florestas preservadas, as chamadas ipucas. Isso iria acontecer naturalmente, mas os processos naturais estão sendo acelerados pela irrigação." (AC)




FSP, 06/04/2005, p. A10
UC:Geral

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Araguaia
  • UC Leandro (Ilha do Bananal/Cantão)
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.