As rodovias do país são, com frequência, cenário de acidentes graves e mortes causadas por imprudência ao volante. E os seres humanos não são as únicas vítimas dessa sina trágica. Motoristas que trafegam por todos os cantos do país percebem uma grande quantidade de animais mortos nos acostamentos ou até mesmo na própria pista por onde o tráfego precisa fluir. Muitos deles são representantes de espécies em extinção, ou fazem parte da fauna que predomina em cada lugar. Para mapear e reduzir essa agressão aos bichos que caracterizam o cerrado, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) criou o projeto Rodofauna, com o intuito de monitorar as regiões onde se concentram as principais unidades de conservação do Distrito Federal.
Desde fevereiro, 206 animais, silvestres e domésticos, já foram atropelados nas vias que circundam áreas de proteção do DF. O levantamento é feito por dois biólogos, um veterinário, um geógrafo e um químico, que se alternam na missão de percorrer 140 quilômetros de rodovias, duas vezes por semana, em busca de corpos dos animais. A cada saída, três integrantes do time perscrutam as pistas em busca de animais mortos e vivos(1) - já que esses são possíveis predadores.
Quando encontram as carcaças de animais, eles marcam a localização exata no Global Position System (GPS), para depois calcular as estatísticas de mortalidade em cada um dos locais visitados. Sempre que sai a campo, a equipe carrega câmeras fotográficas, trena, binóculos, luvas e pinças. "Deixamos o animal na vegetação próxima à pista, para que os animais carniceiros que se alimentam deles não sejam atropelados também. Não interferimos mais, já que eles fazem parte de uma cadeia", ressaltou Rodrigo Augusto Lima Santos, biólogo do Ibram e coordenador do projeto. Segundo ele, estudos comprovam que a principal causa mortis de animais silvestres é o tráfico, seguida dos atropelamentos e da caça.
Estação Ecológica
De fevereiro até a primeira semana de agosto, o Ibram já encontrou 147 espécimes silvestres atropeladas, o que corresponde a 71% das vítimas, e 59 animais domésticos, equivalentes a 29% do total. Entre os silvestres, 47% são aves; 30%, répteis e os 23% pertencem à classe dos mamíferos. O local mais problemático fica nas proximidades da Estação Ecológica Águas Emendadas. Em 2002, há registros de que 66 animais foram mortos no local. Quatro anos depois, esse número caiu para 145. "Não sabemos se está havendo menos atropelamentos ou se os animais estão mais raros na natureza", refletiu o biólogo do Ibram. Nesse período, já foram encontrados três espécimes de lobos-guarás e duas jaritatacas, animais ameaçados de extinção.
O projeto terá duração de um ano e, após concluído, deverá ser transformado em ação para reduzir os danos à fauna. O órgão do governo pretende elaborar fôlderes, fazer blitzes educativas nas redondezas dessas áreas de risco, propor a instalação de placas de sinalização e sugerir caminhos alternativos para a travessia de fauna. "Muitos carros e caminhões passam em velocidade tão alta que chegam a balançar a estrada. É preciso estimular a sensibilidade para a questão dos animais silvestres nas estradas, problema que pouca gente conhece", constatou Lima Santos.
Analista técnico do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Anderson do Valle considera o projeto importante para definir as medidas de proteção em áreas próximas às unidades de conservação ambiental do DF. Segundo ele, as serpentes e lagartos morrem por buscar contato com o asfalto, para aumentar a temperatura do próprio corpo, que não produz calor. Já os urubus e os carcarás são vítimas, principalmente, da má conservação das rodovias. "As crateras no asfalto se tornam depósito de alimentos que os caminhões deixam cair. Viram o supermercado dos bichos."
Reação
Valle também aponta que os animais se assustam com o barulho das rodovias e, ao perder a orientação, podem fugir para o lado errado. À noite, muitos bichos seguem um caminho na mata e, subitamente, se surpreendem com a proximidade da estrada. "Ainda há os que têm instinto de ficar parados diante de uma situação de perigo. Acabam sendo atingidos pelos veículos", observou.
Cada região do DF, defende ele, deveria prever uma solução diferente. A área que circunda o Parque Nacional de Brasília, por exemplo, é muito extensa, e a construção de passagens subterrâneas não resolveria completamente o problema. "O interessante seria colocar um cercado com passagem para os túneis subterrâneos, além de redutores de velocidade. O animal busca ir sempre pelo caminho mais próximo", defendeu. Outra medida seria melhorar a qualidade da coleta de lixo. Segundo o representante do Ibama, na região localizada entre o Parque Nacional de Brasília e o Lago Oeste, é comum ver lixeiras abarrotadas, cujos restos são disputados entre animais silvestres e domésticos, à beira da DF-001.
Em linhas gerais, ele aponta para uma solução que reduziria o índice de mortes por atropelamento: aumentar os corredores ecológicos, regiões cobertas por vegetação que permitem a livre circulação entre as diferentes unidades de conservação ambiental. "E a medida prática é reflorestar, recuperar áreas degradadas. As cidades cresceram tanto que as unidades de conservação se tornaram ilhas", apontou. Outra solução essencial, para Valle, é recuperar e preservar as margens de rios, que também servem como caminho para diversos animais.
1 - Mapa do perigo
O trajeto inclui os arredores da Estação Ecológica Águas Emendadas, do Parque Nacional de Brasília, Jardim Botânico de Brasília, Reserva Ecológica do IBGE e Fazenda Água Limpa da Universidade de Brasília (FAL/UnB). Essas áreas são servidas pela BR-020 , DF-128, DF-205, além da DF-345.
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/08/12/cidades,i=207353/ASFALTO+E+UMA+ROTA+DE+EXTINCAO+DA+FAUNA.shtml
UC:Geral
Unidades de Conservação relacionadas
- UC Brasília (PARNA)
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