Em dez anos, o programa nacional de concessões em florestas públicas não inundou o mercado com madeira legal. Qual é o seu potencial para competir com a madeira que vem da grilagem e do desmatamento
Jamari, Saracá-Taquera, Crepori, Jacundá, Altamira. Os nomes de origem indígena denominam as florestas da Amazônia brasileira que estão de certa forma alugadas. Ou privatizadas, diriam os críticos. Ou concedidas, como preferem os mais puristas. São vários hectares de mata densa em áreas preservadas da Amazônia que serão usadas por empresas madeireiras. Elas fazem parte de um sistema pouco conhecido de concessões florestais. A prática foi alvo de grande polêmica e expectativa há dez anos.
As concessões eram uma novidade numa região dominada pela invasão de terras públicas para a dilapidação e falsificação de papéis de posse (grilagem). Alguns temiam que fosse uma forma de entregar grandes porções de florestas brasileiras a multinacionais gananciosas e sem escrúpulos. Os defensores do sistema acreditavam que fosse uma alternativa para controlar melhor a exploração comercial decente da região, conservando a saúde da floresta.
A esperança era que mudassem o mercado de madeira amazônica, praticamente acabando com a extração ilegal e oferecendo uma alternativa honesta e ecologica em grande escala. Hoje, dez anos depois da aprovação da lei que regula as concessões, elas evoluíram mas ainda estão longe de cumprir o que foi sonhado.
Nas concessões, o governo cede o uso de um tipo especial de unidade de conservação, as Florestas Nacionais ou Florestas Estaduais. São áreas preservadas, de vegetação altiva, árvores frondosas e centenárias, algumas de grande valor comercial. Essas áreas são disputadas em licitações por empresas madeireiras. O vencedor faz um contrato de uso com o governo e tem um perído de 40 anos para explorar de forma sustentável, obedecendo a planos de manejo. O manejo é uma forma de extrair madeira da floresta sem destrui-la. No manejo, a empresa madeireira divide a floresta em lotes. A cada ano, ela explora um lote, tirando dele apenas as árvores de valor comercial. São poucas. Menos de uma em cada campo de futebol. O resto da vegetação fica lá. A madeireira vai explorando a floresta parte por parte, de forma que ela se recupere naturalmente.
Criar áreas de concessão florestal tem dois impactos positivos para conter a devastação. O primeiro deles é regularizar a posse da terra. Em grande parte, o desmatamento é o efeito colateral de um grande processo de roubo de terras públicas. Fazendeiros ocupam as terras da Amazônia - a maioria pública sem papéis definidos - e cortam árvores (com auxílio de madeireiras piratas) e fazem carvão para financiar a derrubada e o plantio de capim. Depois colocam gado e justificam o uso para falsificar papéis de posse e tentar passar a terra adiante. Esse grande processo de grilagem marca a ocupação da região. Ao criar florestas nacionais (de propriedade da União ou dos estados), o governo dificulta a apropriação dos grileiros. O fazendeiro têm, em tese, menos estímulo para derrubar aquela floresta e tentar falsificar papéis de posse. O segundo impacto positivo das concessões é oferecer uma área segura para as madeireiras produzirem de forma sustentável. Assim, elas poderiam levar ao mercado uma alternativa legal para a madeira de origem irregular.
E se a madeireira que ganha o direito de exploração de uma área sob concessão não agir de forma correta e praticar uma retirada descuidada de madeira? Se ela não seguir o que dita o plano de manejo e tirar tudo que puder de forma insustentável? A resposta, segundo alguns engenheiros florestais, é que a floresta continuará lá. Na pior das hipóteses, uma exploração de madeira predatória abre clareiras e estradas em excesso. Deixa a floresta empobrecida. Mas não a destrói.
Se não há interesse em queimar a floresta para colocar capim e gado sobre as cinzas, em alguns anos, mesmo uma área bem explorada acaba se recuperando. Um madeireiro poderia até retirar tudo o que há de valor da mata, diz Adalberto Veríssimo, do Imazon. Mas isso não passaria de um punhado de árvores por hectare. Ele não teria interesse em desmatar, pois nenhum fazendeiro poderia se apropriar da área. Seria a preservação por desinteresse. Com essa avaliação, os maiores riscos das concessões florestais pareciam pequenos diante da devastação descontrolada nas matas sem posse definida.
Foi com esse espírito que a sanção da lei que regulamenta as concessões mereceu celebração em 2006. A expectativa foi bem resumida pelo engenheiro florestal Tasso Azevedo, então secretário de Florestas do Ministério do Meio Ambiente e um dos maiores defensores das concessões. Segundo ele disse naquele momento, as concessões deveriam levar a um aumento de R$ 7 bilhões na economia da região e gerar 140 mil empregos apenas nos setores de floresta e indústria. A arrecadação com impostos poderia atingir R$ 1,9 bilhão. Também esperava-se que os municípios passassem a ter interesse pela atividade florestal, mirando nos royalties pelo uso da floresta. Pelas projeções, esse aluguel deveria gerar um caixa de R$ 186 milhões, destinados a uma agência reguladora das concessões florestais. O cenário prometia uma virada inédita numa região onde 10% do PIB era gerado pela atividade madeireira predatória. O Brasil tem hoje 314 milhões de hectares de florestas públicas, o que equivalente a 37% do território nacional. Com só 10% delas sob concessão daria para garantir que toda a oferta de madeira e produtos florestais fosse feita com garantia de legalidade e sustentabilidade.
E o que aconteceu? As concessões florestais realmente salvaram a Amazônia? Ainda não. Passados dez anos, as áreas sob concessão ainda mudaram o cenário da região. Apenas cinco Flonas estão sendo exploradas como concessão. São apenas 842 mil hectares públicos sob concessão no Brasil hoje. Serão manejadas de forma sustentável por oito empresas durante 40 anos. Estima-se que o potencial brasileiro seja de 13 milhões de hectares. O objetivo é chegar a 7 milhões de hectares até 2022, atendendo a 30% da demanda de hoje. Por que estamos tão longe?
A grande alternativa para madeira de origem ilegal no Brasil vem de áreas privadas de madeireiras na Amazônia brasileira com certificação verde do selo FSC. Juntas elas somam 1,2 milhão de hectares. A maior parte do mercado ainda é abastecida pelas serrarias que operam de forma irregular e tiram madeira de áreas invadidas.
Por que as concessões não decolaram como se esperava? Marco Antônio Fujihara, que trabalhou na elaboraçaõ das concessões quando estava no Ministério do Meio Ambiente, tem algumas teses. Segundo ele, o governo criou muitas regras para as licitações e não apresentou incentivo suficiente para as empresas madeireiras. A empresa concessionária paga as mesmas taxas para a produção de mandeira que uma outra que use terra própria ou que venda madeira do desmatamento legal em fazendas. Pela lei, um fazendeiro pode desmatar legalmente até 20% da propriedade na Amazônia. Essa oferta de madeira compete em preço com o que viria de outras fontes, como as concessões. "Em outras concessões, como de aeroportos ou estradas, o governo contrói infra-estrutura e incentiva as empresas. No caso das florestas, não. No fim, o negócio fica pouco competitivo", diz Fujihara.
A diretoria do Serviço Florestal brasileiro, setor do Ministério do Meio Ambiente que regula as concessões reconhece as dificuldades. "Do ponto de vista do marco legal, é um sucesso. Estamos na sétima geração de licitação para concessão de floresta, sempre aperfeiçoando o processo", diz Marcus Vinícius Alves, diretor de concessão florestal e monitoramento do Serviço Florestal. "Do ponto de vista da escala, é insufiiente. Em 2015, concessões ofertaram pouco mais de 1% da madeira no mercado. É relativamente baixo. Precisamos ganhar escala. Reconhemos isso. Mas desde a entrada da primeria concessao até hoje foram 400 mil metros cúbicos de madeira em tora. Se colocarmos isso numa perspectiva para evitar degradacao florestal, veremos o potencial da concessão", afirma.
Raimundo Deusdará Filho, diretor do Serviço Florestal, diz que é melhor ser conservador do que abrir mão dos cuidados necessários. "Quando a gente começou, havia preocupacao com cuidado com a floresta pública. O programa não foi pensado só para subsitutir o mercado privado. Temos a preocupação de manter a floresta saudável. Isso significa que não podemos errar. As áreas para concessão estão no sistema nacional de unidades de conservação. O uso é monitorado pelo Tribunal de Contas da União", diz. Ele lembra que o programa precisava convencer os céticos. "Há vinte anos, havia um enorme preconceito contra o uso dessas florestas. Nós vencemos essa resistência. Agora precisamos de cuidado. Além disso, há impactos sociais além do negócio. São comunidades que ganham carteira assinada, fonte de renda e empoderamento." Segundo ele, embora o programa tenha 10 anos, o país ainda está aprendendo. "Nosso maior risco não é ir devagar demais, é colocar em perigo o patrimônio da floresta", afirma.
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2016/05/o-que-houve-como-aluguel-de-florestas-da-amazonia.html
Florestas:Madeira-Exploração
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