CB, Brasil, p. 16 - 13/06/2008
Governo deixa Amazônia às moscas
Relatório do Tribunal de Contas da União mostra que faltam servidores para fiscalizar áreas de preservação. Escassez de pessoal também dificulta conclusão de processos e cobranças de multas
Edson Luiz
Da equipe do Correio
Na luta pela preservação da Amazônia, o governo não faz a lição de casa. Pelo menos é o que mostra levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) que constatou uma série de problemas na região. Segundo o documento, a União até combatem os que agridem o meio ambiente, mas não tem capacidade para fazer valer seu poder de fato. Um exemplo disso é que, de R$ 2,8 bilhões em multas aplicadas entre 2004 e 2006, apenas 1% foi pago. O motivo é a falta de pessoal para fazer os processos. Hoje, conforme o relatório, a Amazônia parece abandonada pelas instituições federais. Para se ter uma idéia, a média de servidores lotados nas unidades de conservação do Amazonas, um dos seis estados da Região Norte pesquisados pelo tribunal, é de 60 para 16 milhões de hectares de terra, menos da metade de funcionários que atuam em São Paulo, onde 149 pessoas são responsáveis por 231 mil hectares.
Além do Amazonas, a auditoria do TCU foi feita no Acre, Roraima, Amapá, Rondônia e Pará, com o objetivo de fiscalizar a atuação dos órgãos públicos federais na região, principalmente no tocante ao meio ambiente. O resultado é semelhante ao que foi observado em vistoria feita na Floresta Nacional do Tapajós, no mês passado, quando se constatou que cada instituição age por conta própria. O trabalho atual foi feito para avaliar as medidas desenvolvidas pela União nos Planos de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PAPCD) e de Ação Sustentável (PAS). "O futuro da Amazônia depende das políticas que governos e a sociedade tomarem visando a sua preservação e, ao mesmo tempo, a alocação racional de seus recursos", observa o ministro relator do TCU, Marcos Bemquerer Costa.
O TCU aponta que o volume de servidores públicos federais lotados nas unidades de conservação na região é insuficiente para evitar um avanço da devastação. Enquanto a média nacional é de 44,4 mil hectares por servidor, nos seis estados pesquisados esse número é de 183 mil hectares por funcionário. Em Roraima, por exemplo, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade tem 18 pessoas trabalhando, o que geraria uma carga de 325,3 mil hectares sob a responsabilidade de cada funcionário. O TCU faz uma comparação também com outros estados para mostrar a má distribuição de pessoal. Enquanto no Rio de Janeiro, por exemplo, cada técnico é responsável por 4 mil hectares, um servidor emRoraima teria de gerenciar 325,3 mil hectares.
Outro exemplo dado é o do Parque Nacional de Brasília, que tem 50 funcionários, enquanto as Florestas Nacionais Santa Rosa do Purus e São Francisco, no Acre, e a Área de Relevante Interesse Ecológico Javari-Buritís, no Amazonas, não possuem nenhuma pessoa para gerenciá-las. O relatório do TCU mostrou que outras 26 unidades de conservação na região contam com um ou dois funcionários. "São servidores altamente qualificados e de alto custo para o órgão. Ao desempenharem todas as atividades, não lhes sobra tempo para desenvolver suas atividades de gerentes", explica Costa em seu relatório.
Arrecadação
A escassez de servidores foi um dos principais motivos que levaram a União a arrecadar menos na área do meio ambiente. A auditoria revela que, nos últimos cinco anos, foram realizadas mais de 350 operações na Amazônia Legal para reprimir o desmatamento. Entre 2004 e 2006, foi aplicado, nos seis estados, R$ 1,6 bilhão em multas, mas apenas R$ 15 milhões voltaram aos cofres da União. Em toda a região, no mesmo período, o total de recursos arrecadados pelas infrações atingiram R$ 21,8 milhões, apenas 1% do total das multas, que chegaram a R$ 2,8 bilhões.
O TCU reconhece que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) se esforça para melhorar os índices. Em 2004, 70% das multas foram aplicadas na Amazônia, subindo para 79% dois anos depois. O Ibama informou que está deslocando fiscais de outras regiões para o norte do país, além de ter sido criado um programa de formação de profissionais na área. A arrecadação de multas, segundo o órgão ambiental justificou ao TCU, é prejudicada também pela insuficiência de procuradores. Em novembro de 2007 eram 12 nos seis estados, sendo que em Roraima não havia nenhum.
No Amazonas, o instituto firmou um convênio com a universidade local para suprir as necessidades. No Pará, os concursos não têm despertado interesse dos profissionais. Além disso, nos dois estados há um grande acúmulo de processos, sendo que pelo menos 3 mil estão na fase de execução fiscal. Outros 800, em Manaus, estão pendentes de análises.
Punição será mais eficaz
Hércules Barros
Da equipe do Correio
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai assinar um decreto que visa a reduzir a capacidade dos inimigos do meio ambiente de postergarem as multas ambientais e, assim, saírem da dívida ativa. Segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a medida deve ser tomada dentro de duas semanas. O objetivo do decreto é mudar a situação atual, na qual apenas cerca de 10% das multas ambientais são pagas. "Quem tinha quatro anos de possibilidade de rolar recursos vai passar para quatro meses", estima Minc.
De acordo com o ministro, os autuados que não cumprirem o prazo terão suas propriedades embargadas. "O eco-presidente Lula vai acabar com essa história de que ninguém paga multa e ainda fica rindo da nossa cara", diz.
Vários tipos de mecanismos para a redução do prazo de recursos deixarão de existir. "São (recursos) visivelmente para procrastinar e não para provar alguma coisa", observa o ministro. Minc afirma que o decreto não vai anular o direito constitucional de contraditório e defesa. "A Justiça brasileira tem feito isso em outras áreas."
Segundo o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Roberto Messias, quem for autuado acima de R$ 100 mil e quiser entrar com recurso no Conselho Nacional do Meio Ambiente terá que depositar 70% do valor da multa. "Muitos irão desistir", acredita.
Minc lembra que a agilidade na captação dos recursos gerados pelas infrações vai servir para melhorar a fiscalização. "Vamos usar esses recursos para capacitar mais ainda o Ibama", diz.
Radiografia da Amazônia desprotegida
O Tribunal de Contas da União (TCU) fez um dos mais completos estudos sobre a situação da Região Amazônica, constatando uma série de problemas que pode aumentar o desmatamento e afetar seriamente o meio ambiente. Os números coletados surpreendem, mas são conhecidos pelos órgãos encarregados pela preservação. Mesmo assim, pouco foi feito para mudar essa realidade. Veja abaixo:
Unidades de Conservação
O relatório do TCU constatou que o número de servidores nas Unidades de Conservação é muito abaixo da média nacional. Enquanto São Paulo tem 149 funcionários para 231 mil hectares, na Amazônia são 60 para 16 milhões de hectares.
Pelo menos três grandes unidades no Amazonas e Acre não possuem nenhum servidor para gerenciá-las.
Outras 26 áreas de conservação contam com um ou dois funcionários.
Madeira
Servidores do Ibama entrevistados pelo TCU informaram que 80% da madeira retirada da Amazônia é cortada sem licença dos orgãos ambientais. Eles ressaltaram que 70% das toras são comercializadas no Sul e Sudeste do país.
A alteração da legislação ambiental em 2001 foi umas das principais causas do aumento do desmatamento ilegal na Amazônia, informaram os funcionários do Ibama. Isso colocou na ilegalidade agricultores que chegaram à região nas décadas de 1970 e 1980.
Rebanho
O trabalho feito pelo TCU, baseado em estudos de pesquisadores, mostra que 36% do rebanho bovino brasileiro está na Amazônia. Isso é resultado do preço baixo das terras e dos incentivos fiscais e bancários, além da fartura de chuvas.
De 1990 a 2004, houve um aumento de 173% no rebanho bovino. isso fez com que a área
Desmatada aumentasse 78% no mesmo período.
Arrecadação
Entre 2004 e 2006, foram aplicadas multas em torno de R$ 1,6 bilhão em seis estados da Amazônia. Porém, a arrecadação foi de apenas R$ 15 milhões.
Em toda a Amazônia Legal, foram aplicados R$ 2,8 bilhões em multas, mas a arrecadação ficou em apenas 1 %. Ou seja, R$ 21,8 milhões, segundo o levantamento do TCU.
Terras indígenas
O TCU constatou que faltou melhoria na qualidade da saúde indígena. Porém, ela se mantém a mesma da média nacional. Os números apontam que a redução na mortalidade foi de 35% nos seis estados pesquisados e 32% em toda a Amazônia Legal.
Hoje, segundo o levantamento do TCU, a média é de um servidor da Funai para cada grupo de 379 índios, nos seis estados. Mas no Amazonas, por exemplo, um funcionário atende em torno de 1.514 índios.
Pesquisas
Segundo o TCU, o número de pesquisadores na Amazônia é bem reduzido, afetando o desenvolvimento do conhecimento científico. Nos seis estados, estão apenas 12,9% dos técnicos da Embrapa.
O total geral é de 4.498 pesquisadores nos seis estados, o equivalente a 5% do total nacional. Em toda a Amazônia Legal, o percentual sobe para 7,7%.
Fonte:Tribunal de Contas da União
Joelson Miranda/CB/D.A. Press
CB, 13/06/2008, Brasil, p. 16
Amazônia:Políticas de Desenvolvimento Regional
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