Mineração x proteção da biodiversidade

O Eco - http://oecoamazonia.com - 03/07/2010
A Estação Ecológica Grão-Pará , no extremo Norte do Brasil, vem há pelo menos quatro anos sendo alvo de polêmicas envolvendo conservação da biodiversidade, interesses políticos e exploração de bauxita pela mineradora angloamericana Rio Tinto, a terceira maior do mundo. A reserva é a maior unidade de conservação de proteção integral de floresta tropical do planeta, com 4,2 milhões de hectares na região da Calha Norte do rio Amazonas, no Pará, um dos estados mais desmatados da Amazônia brasileira.

Com o objetivo de pesquisar e explorar bauxita na região, a Rio Tinto já propôs a redução de 500 mil hectares da estação Grão Pará, bem como transformar uma porcentagem dela em floresta estadual (Flota), tipo de unidade de conservação que permite atividades de mineração. Para compensar, parte da Flota de Trombetas, também na Calha Norte, seria elevada à condição de proteção integral. No entanto, substituir uma Estação Ecológico por uma categoria de menor conservação seria um tremendo equívoco, afimam especialistas. "Não se trata de um tapete de floresta onde tanto faz onde você coloca os limites de uma área de preservação", explica Alexandre Aleixo, coordenador de zoologia do Museu Emilio Goeldi, uma das mais respeitadas instituições de pesquisa da Amazônia brasileira.

Uma pessoa ouvida pela reportagem que pediu para não ser identificada desconfia que a discussão sobre as mudanças em Grão Pará " não passam de um jogo para ganhar tempo, pois bastaria uma canetada na Assembleia Legislativa para possibilitar a exploração na região, por mais que ela seja única". "Há muitos interesses envolvidos", diz.

Se a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, do Partido dos Trabalhadores, assim quisesse, poderia enviar um projeto de lei à Assembleia Legislativa para mudar a classificação da unidade. Mas será que esta decisão seria a mais coerente, tendo em vista que se trata de uma área de extrema importância para a conservação da biodiversidade amazônica?

Grupo de trabalho

Na falta de um consenso, Ana Júlia publicou em março o Decreto Estadual 2.194 e instituiu a criação de um Grupo de Trabalho (GT) com a finalidade de "subsidiar tecnicamente o Governo do Pará no gerenciamento dos conflitos de interesse relativos às reservas de bauxita que estão dentro dos limites da Estação Ecológica Grão Pará e da Floresta Estadual do Paru", que faz divisa com a reserva gigante. O GT é composto por dez entidades, entre elas Sema, Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Conservação Internacional, Museu Paraense Emílio Goeldi, Ministério Público Estadual e Rio Tinto.

Até setembro será concluído um relatório técnico que servirá de subsídio para que o governo de Ana Júlia tome uma decisão. Tanto Rodolfo Moraes Pereira, diretor de áreas protegidas da Sema, quanto Maurílio Monteiro, secretário de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, afirmam que a posição final do governo será baseada em dados técnicos resultantes do relatório do GT.

Em uma reunião do grupo de trabalho no dia 10 de junho, a Rio Tinto teria afirmado que abriria mão de 45% das reservas de bauxita existentes na Esec, alegando que 55% são o mínimo necessário para tornar o empreendimento viável. A Rio Tinto afirma que "apoia a designação das áreas protegidas a partir de avaliações científicas rigorosas e ampla discussão com os públicos de interesse", oferece alternativas. Mas não dá sinais de que irá desistir da Esec. De acordo com a assessoria de imprensa da mineradora, 90% das reservas de bauxita encontradas na região estão na Estação Ecológica Grão-Pará.

"Em termos jurídicos esta discussão nem precisaria estar sendo feita, pois trata-se de uma unidade de proteção integral. Atender às demandas da Rio Tinto, por melhor que seja o compromisso da empresa, é dar um tiro no escuro. Seria um indício de fraqueza do poder judiciário, do governo do Pará, uma demonstração de que a preocupação com a conservação está só na retórica", afirma Alexandre Aleixo.

"Mexer naquela área significa afetar negativamente a imagem do governo e da Rio Tinto. Um empreendimento de grande porte em uma região como aquela pode atrair milhares de trabalhadores e causar ocupação irregular, pressão sobre recursos naturais e a infraestrutura local, abertura de estradas, desmatamento e extração ilegal de madeira", explica Valmir Ortega, da Conservação Internacional.

Riqueza de biodiversidade


Um relatório de biodiversidade da Estação Ecológica Grão-Pará preparado pelo Museu Emilio Goeldi e Conservação Internacional traz informações valiosas, de acordo com um comunicado enviado à imprensa no dia 1 de junho, e veio em boa hora para acabar com dúvidas que ainda pudessem existir a respeito da importância da Estação Ecológica Grão-Pará.

O estudo é resultado de três expedições realizadas em 2008, com apoio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará (Sema) e recursos de compensação ambiental da Rio Tinto. Em todas as áreas inventariadas existem espécies nunca antes descobertas. Nelas também foram encontradas 143 espécies já conhecidas de peixes, 62 de anfíbios, 68 de répteis, 355 de aves, 61 de mamíferos e 778 de plantas. De todas elas, muitas são raras, endêmicas ou correm risco de extinção, caso da onça pintada, do tatu-canastra e da árvore angelim.

Na Estação Ecológica Grão-Pará há espécies não amazônicas e, inclusive, de outras localidades da floresta. Isso sem falar na raridade da própria geografia local: lá existem áreas de cerrado, campinaranas, floresta baixa, rios encaichoeirados (o que torna o local inacessível a barcos e, consequentemente, mais isolado) e altitude elevada para os padrões amazônicos (de 500 a 600 metros). Os platôs da estação, onde tem muita bauxita, são donos de biodiversidade rara. Neste momento, o relatório completo aguarda a aprovação final da Sema para ser divulgado ao público.

"Os estudos realizados identificam aquela área como de alta importância para a conservação. Em outras palavras, não há argumento técnico-científico que justifique a mineração lá. Se tomada, tal decisão terá caráter estritamente político, justificado por argumentos econômicos e sociais, jamais ambientais", afirma Ortega.

"Os platôs contém uma biodiversidade riquíssima, com espécies que não existem em nenhuma outra unidade de conservação da Calha Norte. O estudo comprova que toda a área da estação é absolutamente única e precisa continuar intocada", complementa Aleixo. Pelo visto, se depender dos dados científicos deste relatório, nada de mineração lá.

Jakeline Ramos Pereira, coordenadora do Projeto Calha Norte, do Imazon, afirma que os estudos feitos pela CI e pelo Goeldi estão muito bem feitos. No entanto, salienta que "ainda é preciso estudar mais aquela região para saber se ela é de fato, ou não, insubstituível". Pesquisas deste tipo não são feitas de uma hora para outra e podem levar anos para serem concluídas.

Entenda a polêmica

Em 2006 Simão Jatene, então governador do Pará, criou cinco unidades de conservação na região da Calha Norte que, juntas, somam 12,8 milhões de hectares. A ironia é que, antes do feito de Jatene, a Rio Tinto havia conseguido uma concessão de cerca de 600 mil hectares na região e lá passou a prospectar minério. Com suas pesquisas, descobriu que justamente onde hoje se encontram duas das UCs criadas, cuja biodiversidade é riquíssima, jaz a maior reserva de bauxita do país - estudos indicariam 4 bilhões de toneladas.

Estas UCs são a Estação Ecológica Grão-Pará que, por ser de proteção integral, não abriga população humana (no máximo tribos nômades) e não permite atividades exploratórias em seu território e a Floresta Estadual do Paru - com 3,6 milhões de hectares, é a maior de uso sustentável nos trópicos. "A maior parte da bauxita encontra-se nos platôs da Esec Grão-Pará. No entanto, a reserva da Flota do Paru é grande e equivale ao da mina de Juruti, que vem sendo explorada pela Alcoa no Pará", explica Valmir Ortega. O potencial de Juruti é de 280 milhões de toneladas.

Como a Rio Tinto não parece satisfeita com a quantidade de bauxita da Flota do Paru, continua interessada em também realizar a atividade na Esec Grão-Pará. De um lado, organizações da sociedade civil defendem a proteção do local e apontam a importância estratégica da Esec para a proteção da biodiversidade. De outro há a multinacional que, por meio de argumentos econômicos e sociais, tenta chegar a um acordo com o governo a fim de pesquisar e explorar minério em uma floresta intacta do cacife da (já criada) unidade de conservação de proteção integral. O governo estadual, até o momento, fica com a posição do meio e no aguardo do relatório do GT.
Na falta de um consenso, Ana Júlia publicou em março o Decreto Estadual 2.194 e instituiu a criação de um Grupo de Trabalho (GT) com a finalidade de "subsidiar tecnicamente o Governo do Pará no gerenciamento dos conflitos de interesse relativos às reservas de bauxita que estão dentro dos limites da Estação Ecológica Grão Pará e da Floresta Estadual do Paru", que faz divisa com a reserva gigante. O GT é composto por dez entidades, entre elas Sema, Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Conservação Internacional, Museu Paraense Emílio Goeldi, Ministério Público Estadual e Rio Tinto.

Até setembro será concluído um relatório técnico que servirá de subsídio para que o governo de Ana Júlia tome uma decisão. Tanto Rodolfo Moraes Pereira, diretor de áreas protegidas da Sema, quanto Maurílio Monteiro, secretário de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, afirmam que a posição final do governo será baseada em dados técnicos resultantes do relatório do GT.

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