A Amazônia sob nova direção do setor privado

O Globo, Economia, p. 42 - 28/11/2010
A Amazônia sob nova direção do setor privado
Leilão de florestas deslancha sem alarde e gera royalties de R$ 6 milhões ao governo pelos próximos 40 anos

Liana Melo

Tudo na Floresta Amazônica tem proporções superlativas. Do seu tamanho, 400 milhões de hectares espalhados por nove estados, a seu modelo de ocupação, marcado por desmatamento, extração predatória e problemas fundiários. Como a ilegalidade tomou conta da cadeia produtiva da madeira na região, o produto que sai da floresta contribui com 8% do Produto Interno Bruto (PIB), mas engorda em mais de 50% as estatísticas oficiais de emissões de gases de efeito estufa. Colocar em ordem esta enorme e secular desordem é a tentativa do governo ao começar a leiloar a floresta à iniciativa privada.
Este ano, o Serviço Florestal Brasileiro licitou os dois primeiros lotes de florestas nacionais: a do Jamari, em Rondônia, e de Saracá-Taquera, no Pará. Com isso, o governo garantiu pagamentos de royalties anuais de R$ 6 milhões pelas próximas quatro décadas. O terceiro lote, a Floresta Nacional do Amana (PA), já está em fase de licitação. O prazo de entrega dos envelopes com as propostas financeiras termina dia 15.
As concessões vão continuar ao longo de 2011: três delas ocorrerão no Pará e uma quarta em Rondônia. A meta é chegar a 10% da Floresta Amazônica repassada ao setor privado. A concessão da floresta deslanchou sem alarde e sequer constou do discurso dos candidatos na campanha eleitoral deste ano.
- A licitação para concessão florestal na Floresta Nacional do Amana certamente será bem sucedida, pois o setor madeireiro do Pará tem interesse em madeira certificada - aposta Wanderson Vieira, analista da gerência de concessão florestal do Serviço Florestal Brasileiro, comentando que o preço mínimo será de R$ 6,6 milhões, mas preferindo não adiantar quantas empresas já entregaram suas propostas.
Ao contrário dos EUA, Brasil não exige rastreabilidade
Um caminhão com tauari foi o primeiro carregamento de madeira a deixar os 17,1 mil hectares de um dos lotes de Jamari. A carga foi retirada pela empresa Madeflora, na última quarta-feira. As outras empresas concessionárias do Jamari, a Amata e a Sakura, também já iniciaram a extração. A madeira, no entanto, está estocada. Novo corte agora só em 2011. E só daqui a 30 anos é que as empresas poderão voltar a derrubar árvores neste primeiro lote, tempo considerado suficiente para a regeneração natural da floresta.
- A gente sempre apostou nesse momento e ele chegou. É um desafio e deu certo - comemora Jonas Perutti, dono da Madeflora, comentando que a madeira retirada será vendida para uma empresa do ramo de transporte de carga.
- Estabilidade jurídica é o principal atrativo deste modelo, além de oferecer a possibilidade de a madeira ser identificada, ganhando um número, como se fosse um CPF - elogia o ex-presidente da Orsa Florestal Roberto Waack, atual presidente da Amata, empresa vencedora de um lote de 46,1 mil hectares de floresta em Jamari. - Os principais mercados de madeira do mundo, como Estados Unidos e Europa, querem saber a origem do produto.
Segundo Waack, o consumidor brasileiro é grande comprador da madeira retirada ilegalmente da floresta. É que o país, ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, não exige rastreabilidade. A falta de transparência leva o consumidor a contribuir inconscientemente com a ilegalidade:
- É uma cadeia produtiva que começa ilegal na sua origem, mas acaba legalizada, quando a madeira vira móvel e é exposta nas vitrines das lojas.
A rastreabilidade já é uma exigência do mercado lá fora, admite Justiniano Netto, diretor-executivo da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará (Aimex), avaliando que, no futuro, pode virar uma barreira não tarifária. Ele também advogou para a Ebata, empresa que ganhou a concessão de um dos lotes da Floresta Nacional de Saracá-Taquera:
- A empresa pagou R$ 1,7 milhão por uma área de 30 mil hectares, enquanto a outra empresa vencedora foi a Golf Indústria e Comércio de Madeiras, que disputou um lote de 18,7 mil hectares.
Para disputar o leilão é preciso aceitar as exigências do novo modelo de desenvolvimento econômico proposto para a Amazônia. Anualmente, somente 1/30 da área licitada poderá ser utilizada e, de cada hectare, a extração máxima é de 25 metros cúbicos de toras. E mais: está terminantemente proibido derrubar árvores que estejam condenadas à extinção, assim como espécies com menos de três exemplares num único hectare.
A regra agora é implementar uma economia florestal baseada num modelo de manejo sustentável, explorando madeira com o mínimo de impacto ambiental. Exatamente o contrário do que é feito hoje. Até setembro último, a Amazônia já tinha perdido 170 quilômetros quadrados de floresta nativa, segundo levantamento feito pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
- É impossível se contrapor a um modelo de exploração que visa a enfrentar a ilegalidade, mas para mudar o paradigma é preciso que a política ambiental esteja acoplada à política industrial - alerta Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), comentando que a indústria madeireira do país precisa ser mais "virtuosa e produtiva".
Os adjetivos usados pelo pesquisador para avaliar o modelo de concessão de florestas nacionais são, na verdade, uma cutucada. Ele chama a atenção para o fato, por exemplo, de que hoje a indústria de madeira no país registra um alto grau de perda. Apenas 30% da madeira extraída são aproveitados, o que significa
um resíduo de 70%:
- É madeira que fica estocada no pátio das serrarias queimando e emitindo gás carbônico.
"Valor financeiro para a floresta em pé"
Considerada uma indústria com retorno financeiro rápido e polpudo, o pesquisador do Imazon Adalberto Veríssimo lembra que a madeira gera mais emprego que outros setores, como pecuária, soja e mineração. A indústria de madeira no país, segundo ele, gira em torno de R$ 5 bilhões anuais e a taxa de retorno dos empresários chega a ser próxima de 40%.
- Este modelo de concessão é uma das melhores alternativas para a floresta, já que sufoca a ilegalidade e cria a possibilidade de geração de emprego e renda. É uma forma de estipular um valor financeiro para a floresta em pé.


Para as empresas viverem sem culpa

Corpo a Corpo
Camila Nardon

A ONG inglesa The Forest Trust (TFT) atua em 13 países estimulando o consumo e a fabricação de produtos responsáveis. Presente em Indonésia, China, Vietnã, Camarões, Índia, Estados Unidos, Suíça e França, a entidade chegou ao Brasil há dois anos e já tem escritórios espalhados por Belém, Manaus e Campinas. A analista de projetos Camila Nardon está ajudando as madeireiras do país a se adaptarem às novas restrições do mercado.

O Globo: Há quanto tempo a ONG atua no Brasil?

Camila Nardon: Chegamos em 2008. Atuamos diretamente nos concessionários de florestas e fábricas para ajudar a criar produtos que respeitam o meio ambiente. Também ajudamos a mapear a cadeia de abastecimento, para desenvolver sistemas de controle que assegurem a rastreabilidade. Hoje, para atuar no mercado internacional de madeira é necessário apresentar a Verificação de Origem Legal (VLO) e o selo do Forest Stenwership Council (FSC), que funciona como garantia de que as empresas estão isentas de culpa em relação às irregularidades que possam existir em sua cadeia produtiva.

Desde quando a Europa exige rastreabilidade do produto?

Camila: Desde março de 2005. O Plano de Ação do Comércio de Madeira (TTAP) é uma resposta da União Europeia à indústria da madeira. O projeto é cofinanciado pela Comissão Europeia e as federações comercias de madeira. O projeto foi desenvolvido pelas federações comerciais madeireiras da Europa e tem como papel principal ajudar fornecedores tropicais a demonstrarem que a madeira que fornecem é legal.

É então um trabalho de assessoria?

Camila: Exatamente. Oferecemos orientação a compradores para que estes cumpram os requisitos da União Europeia no que diz respeito à legalidade da madeira. Além de ajudarmos a minimizar o risco da entrada de produtos ilegais na cadeia de abastecimento. O plano é administrado pela ONG TFT, que oferece o seu parecer técnico a fornecedores de madeira na África, Ásia e América do Sul.

Como funciona exatamente o TTAP?

Camila: É através de uma ampla formação legal, cadeias de abastecimento fortalecidas, que se garante que os produtos de madeira fornecidos ao mercado da União Europeia cumpram os critérios dos auditores independentes. Isto dará às empresas participantes uma vantagem competitiva num mercado cada vez mais sensível, além de anteciparem-se à legislação da Comissão Europeia e às políticas relativas aos mercados públicos de compras, que também exigem madeira certificada e rastreada.

Qual a vantagem de adequar-se ao TTAP?

Camila: A vantagem é ter relações comerciais mais sólidas entre os compradores e os fornecedores, além de garantirmos um aumento do retorno e da eficiência de produção em função de um melhor gerenciamento da cadeia de abastecimento. E também um melhor gerenciamento dos riscos internos e externos.

O Globo, 28/11/2010, Economia, p. 42
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